Friday, July 17, 2009

Conhecendo Júpiter


Em junho e julho tive o prazer de participar de algumas atividades náuticas envolvendo barcos a remo e caiaques com antigos e novos amigos. Nesta postagem, em vez de descrever sinteticamente essas atividades, publicarei algumas fotos com comentários e a interessantíssima história de Júpiter.
Para contar essa história peço licença para reproduzir um excelente texto de Álvaro Danúbio Copetti intitulado

"HISTÓRIA DE UM BARCO
E DE SEUS REMADORES
O legendário “Júpiter”
1936 - 2006"

que pode ser encontrado em http://www.gpa1888.com.br/adm/Fotos/intern_Download_55.pdf


Introdução
A guarnição “Júpiter” do Clube de Regatas Guaíba-Porto Alegre – GPA/1888, que já foi considerada a mais antiga equipagem do mundo, pela idade dos seus integrantes, iniciou oficialmente as suas atividades em barco de seis remadores, em 10 de maio de 1936, dois anos antes do início da IIª Grande Guerra Mundial. Em 2006 estará completando setenta anos de atividades ininterruptas. Não existe na história do remo mundial notícia de nenhuma outra guarnição com esta continuidade, fato que levou a revista italiana, especializada em remo, “Canottagio”, em 1976, a considerar a então guarnição do “Júpiter”como aquela constituída pelos mais velhos remadores do mundo. A equipe original foi sendo modificada e dezenas de remadores do GPA orgulham-se de já terem remado no famoso barco. As guarnições se modificam, porém o barco e a sua representação de camaradagem e de orgulho da “alma gepeana”, como refere o veterano remador do “Júpiter” Germano Adolfo Paulo Schulz, permanecem indeléveis nestes setenta anos de trajetória brilhante..
Ser titular da guarnição “Júpiter” é ambição de muitos, mas somente sete são os escolhidos. Esta escolha não é formal, nem sequer segue regras ou regulamentos estritos. Em setenta anos o “Júpiter” não precisou de normas escritas, vive com os costumes e com o bom senso dos seus coordenadores. A harmonia tem sido a regra máxima. Desta forma, os titulares que dão continuidade ao “Júpiter” assumem de maneira natural as suas posições no barco. Durante décadas “os mulas” foram os únicos integrantes efetivos da guarnição, no tempo, aos poucos, outros remadores do GPA foram admitidos ao barco símbolo.
Sem traumas, sem conflitos, as guarnições vão se renovando. O prazer de remar, o amor pelo Guaíba, pela ilha do GPA e pela confraternização aos domingos na praia do café de chaleira são fatores comuns a todos, os antigos e atuais jupiterianos. Há remadores que passam pelo “Júpiter” e contribuem para a sua história. Outros deixam sua marca individual e permanente. Alguém poderá esquecer o “Chimango” (Germano Wetter) pelo seu espírito irreverente? O germânico e pontual “Cacique”(Walter Stosch) é outra uma pessoa inesquecível. O incomparável José Petzhold, “gentleman” e conciliador. Alberto Ângelo, o eterno goleiro das “peladas” de futebol, no antigo campo, no meio das árvores, no norte da ilha do GPA. Um cheiro de fumo perfumado de cachimbo e surge na memória a figura do Atanásio Muller. Poderá deixar de ser lembrado, no futuro, o atual integrante do “Júpiter”, o “Bolinha” (Otávio Priori)? Também irreverente, mas sempre pronto a colaborar. O Germano Schulz e e o seu famoso rádio portátil, ligado a bordo do “seis”. E, nos tempos vindouros, como explicar quem foi o “Professor” (Henrique Lederer) escalando times para não perder nos jogos da ilha e tentando ensinar remadores veteranos a remar. São tipos e histórias inesquecíveis do passado e da atualidade do “Júpiter”. Nesta publicação, veremos outros remadores cuja memória ou vivência atual formam está epopéia septuagenária de um único barco dentro do clube de regatas mais antigo do Brasil – o GPA. A história que vamos percorrer é, na realidade, um conjunto de fatos e relatos sobre o barco “Júpiter” e dos seres humanos, remadores inigualáveis, que o impulsionaram durante estas sete décadas pelas águas do Guaíba. Águas, às vezes, tranqüilas, espelhadas, onduladas, com nevoeiros ou fortes ventanias, mas sempre iluminadas pelo sol da amizade e pelo incomparável estado de espírito de ser gepeano.




A história do "seis"

No ano de 1978, em comemoração ao 90º aniversário do GPA, o desportista Carlos B. Hofmeister publicou o livro “Pequena História do Remo Gaúcho”, onde, com a colaboração do notável gepeano Ilo Lanzer, registrou fatos históricos sobre a fundação do Ruder-Club Porto Alegre (21 de novembro de 1888) e do Ruder-Verein Germânia (29 de outubro de 1892) e da própria guarnição do barco “Júpiter” (10 de maio de 1936). O Ruder-Club Porto Alegre, em razão dos acontecimentos da Iª Grande Guerra Mundial, modificou em 1917 o seu nome para Clube de Regatas Porto Alegre. Na mesma época, o Ruder-Verein Germânia alterou a denominação para Clube de Regatas Guahyba, como na época se grafava o nome do lago Guaíba. Em 28 de novembro de 1936, as duas associações esportivas se uniram e formaram o atual Clube de Regatas Guaíba-Porto Alegre – GPA/1888, que completará, em novembro de 2006, cento e dezoito anos. Os dirigentes do período da fusão resolveram considerar a data da fundação do Ruder-Club Porto Alegre(21/11/1888) como a de origem da nova entidade. Porém, já em 10 de maio de 1936, na garagem do então “Guahyba” havia sido constituída a guarnição de remadores de veteranos do “gig” a seis remos, batizando este barco com o nome de “Júpiter”.
Interessante esta escolha da denominação do barco. No início dos clubes de regatas em Porto Alegre se costumava usar, para denominar as embarcações de regatas, os nomes das mães, esposas e filhas de dirigentes e de atletas, depois denominações de estados do Brasil, de peixes do Guaíba, de atletas, de diretores de clubes e, também, de deuses e heróis da mitologia greco-romana. Júpiter é o maior deus romano. O grande deus do panteão de Roma. Maneja as condições climáticas, dos raios, trovões e dos tufões. Sempre que estava irritado lançava sobre a terra seus maus humores sobre a forma de tormentas. Como deus dos raios é invocado pelo nome de Elicius, que significa atrair. Era ele quem captava para si e desviava os raios em dias de temporais. Na crença romana antiga era o deus mais importante e lembrado. Esta suprema divindade, entre dezenas de deuses romanos, é aquele que em primeiro lugar se ofereciam as orações e sacrifícios. Nas vitórias bélicas as oferendas e as honrarias eram trazidas em procissões solenes ao altar de Júpiter. A expressão latina “sub dia” (ao ar livre) sempre foi associada a Júpiter. A ele se pedia proteção para ficar em contato com a natureza, nos mares, nos rios, nas florestas, nas montanhas e nos lagos, como o Guaíba. A invocação “Por Júpiter”, até hoje utilizada, afasta o medo dos raios, das ondas, dos ventos fortes, cuja origem os romanos não conheciam e achavam que eram manifestações da ira dos deuses. Por isto, os apelos de clemência e proteção para esta divindade poderosa do mundo pagão. Assim, a escolha do nome “Júpiter” para este barco não poderia ter sido mais apropriada. Nestes setenta anos de navegação comprovou-se o acerto deste batismo em homenagem ao deus romano. Vejamos por que? É o barco historicamente mais importante do GPA, com certeza, também do remo nacional. Tem registro documental e iconográfico nestes setenta anos. Somente são admitidos na guarnição remadores com o perfil jupiteriano. O café da ilha, do “Júpiter”, aos domingos é tradicional e degustado com respeito. Cultuam-se sempre os falecidos remadores do “Júpiter” com breve e solene aspersão da primeira chaleira de café, exatamente como se fazia em Roma com incensos e perfumes em respeito aos antepassados. Vivem os remadores deste barco, aos domingos, pela manhã, em contato direto com a natureza (protegida por Júpiter). O barco já enfrentou temporais, atravessou nevoeiros, sofreu naufrágios e colisões, sem danos graves. Sempre esteve sob proteção. Não poucas vezes navegou sob ventos fortes, tempestades e raios. Desafiou dias que se transformaram em noites e sem bússola encontrou caminhos envoltos em nevoeiro. Júpiter, cujo nome está na proa, não deixou de protegê-lo. O patrono divino não faltou aos humanos e ao barco que homenageia o seu nome.
Remar no “Júpiter” é pertencer à tradição e a história do GPA. É assumir, em definitivo, a identidade gepeana. Como afirmamos antes, são muitos os candidatos, mas poucos os escolhidos, tal como, os sacerdotes do deus supremo de Roma. Chega-se a negar, na juventude, a hipótese de algum dia remar no Júpiter, mas a chegada da senioridade fomenta o desejo de tripular este barco e avoluma-se a vontade de participar da mística embarcação. São estas algumas analogias entre o “Júpiter”, nos seus setenta anos, e aquilo que a mitologia ensina sobre esta divindade. A precisão da escolha do nome do barco no ano de 1936 tem razões que o tempo explicou. Observa-se que também não faltou “yupettor protectiones” aos remadores do Júpiter nestes anos e, como os romanos, respeitosos daquele deus, deveremos pedir sempre que “Iupitter, deus deorum, protegatum vobis ad eternum”.
Os integrantes do Júpiter, verdadeiros argonautas , remam no destino do seu centenário, em 2036, quando os atuais constituirão também a história gloriosa desta guarnição, livre, independente, famosa, mas como nenhuma outra, genuína e essencialmente gepeana.

A história do Júpiter retratada em livro

No livro antes referido “Pequena Historia do Remo Gaúcho” (1978) do desportista Carlos H. Hofmeister, a história do “Júpiter” está extensamente detalhada, por isto, transcrevemos, integralmente, o texto abaixo, extraído daquela publicação:

“A guarnição do Júpiter - dos mais velhos remadores do mundo

A 10 de maio de 1936 foi formada na garagem do Clube de Regatas Guahybano mesmo ano, mas seis meses antes da fusão com o Clube de Regatas Porto Alegre que deu origem ao GPA – a guarnição de veteranos do “gig” a seis “Júpiter”.
Seus idealizadores tinham por mira a prática do remo como esporte de recreação, para a manutenção do vigor físico e da jovialidade de espírito através do sadio companheirismo em íntimo contato com a natureza, de que é pródigo o belo estuário do Guaíba e o delta do Jacuí.
Assim, na manhã do belo domingo, de 10 de maio de 1936, os veteranos saíram pela primeira vez. A equipe original era formada por Carlos Endler (O Gasolina), Cristiano Bohrer, Germano Wetter, Oscar Heller (O Mula), timoneiro da turma, Walter Stosch (O Cacique), então com 45 anos de idade, Kurt Wetter e Edgar Barth.
A rigor, as origens da guarnição remontam a dois anos antes , ao ano de 1934, em um “gig” a quatro remos, mas em 1936, Walter Stosch veio transferido de Pelotas para Porto Alegre e desejou incorporar-se aos quatro originais e assim o “gig” “Lema” foi substituído pelo “gig” a seis “Júpiter”.
Todos os domingos, invariavelmente, seja verão, inverno, outono ou primavera, os seis velhinhos saem. Somente em condições de adversidade climática insuperável, quedam-se na sede. Então em torno de uma mesa, a contar estórias, anedotas, a saborear a “loura linfa fabricada pela Continental” (muitos deles são do tempo da Cervejaria Continental e não tomam conhecimento da existência da Brahma, sucessora da anterior).
Foi tal a amizade e a mística que a constância sedimentou, que a passagem dos 10 anos da formação da festejada guarnição foi comemorada com um banquete, em 1946, na sede do Clube, a Rua Voluntários da Pátria, defronte a Usina da Hidráulica. A este jantar compareceram todos os integrantes da equipe e suas dignas consortes, vários amigos, os diretores do GPA, Edgar Lanzer e Dr. Henrique de Souza Gomes, os dirigentes da então Federação Aquática do Rio Grande do Sul, o presidente, Major Darci Vignoli e dª. Vanda, o vice Edgar Eifler e dª. Irma e Túlio de Rose, o indefectível secretário-técnico da entidade. Esse acontecimento foi marcado pela entrega, pela turma, ao GPA, de um artístico quadro confeccionado por Oscar Heller, contendo as fotos esmaltadas de todos os componentes da guarnição, um mapa do estuário do Guaíba e do delta do Jacuí com os roteiros e percursos das excursões feitas, e a quilometragem percorrida desde a sede e o tempo cronometrado de cada rota, tudo extraído do livro “diário-de-bordo” da guarnição.
Os vinte anos, 1956, foram naturalmente também festejados. Nesse espaço de tempo, um ou outro de seus fundadores já haviam “partido desta para melhor, indo remar em outras águas”, como aconteceu com o timoneiro Oscar Heller (O Mula). Em lugar deste ou em substituição a eventuais impedimentos de algum dos integrantes, também participaram, João Carlos Wallau Filho, como timoneiro e Alexandre Herzog, Luiz Buchmann Filho (O Unha), ambos já falecidos. Arlindo Risch (O Favorita), Fernando Rolla, seu mano Oswaldo Rolla (Foguinho) e outros.
O Jubileu de Prata foi comemorado em 1961. Então participaram Edgar Barth, Germano Wetter, Kurt Wetter, Cristiano Bohrer, Walter Stosch, José Petzhold, da qual era voga, e Carlos Endler (O Gasolina), timoneiro.
Os 30 e os 33 anos foram convenientemente assinalados, respectivamente em maio de 1966 e junho de 1969. Dessa última comemoração há uma breve saudação feita por Walter Stosch assinada “KCYQ”, nos seguintes termos:

“33 anos do Júpiter.

Salve 10 de maio de 1936. Hoje, em 1969, uma data marcante assinala os 33 anos de atividades ininterruptas da guarnição do “Júpiter”, do GPA. Esse clube, o mais antigo do Brasil, cujas diretorias desde aquele época até a atual tudo proporcionaram com carinho e dedicação, o que muito contribuiu para a continuidade desta guarnição.
33 anos de “Júpiter” caldearam uma amizade abençoada por Deus entre os seus componentes; sincronizou seus espíritos numa consideração mútua. E assim continuam singrando as águas de nosso majestoso Guaíba, desbravando a beleza de suas margens.
No verão, com a pele tostada pelo sol benfazejo, completam seus exercícios com a natação. Enquanto isto, o fogo crepitante ferve a água para o tradicional café-de-chaleira à sombra do frondoso arvoredo, ao som do silvar da passarada, ao murmúrio suave das águas do Guaíba, penteadas por uma suave brisa. Que enlevo para a alma. Quão recomendável higiene mental.
33 anos de “Júpiter” são motivos todo especial para uma congratulação mútua entre os componentes da guarnição, com recordações de nossos saudosos companheiros Heller e Bohrer, os quais durante tantos anos conosco conviveram, participando das mesmas alegrias.
33 anos de “Júpiter”. Rogamos-te nosso bom Deus, merecermos tua benção para que, ainda por muito tempo esta guarnição possa auferir desta graça Onipotente para este convívio que faz parte de nossas vidas”.
A guarnição do Júpiter”também é conhecida como “dos Mulas”. Esse epíteto, algo jocoso, derivou do primitivo timoneiro, Oscar Heller, falecido em 1961, o qual, pelo seu gênio algo intempestivo e explosivo, era assim cognominado. Foi ele quem estabeleceu o horário e a disciplina da turma: saída da garage às 5h59min. Quem chegasse 1 minuto atrasado receberia uma bronca monumental. De fato: a pontualidade sedimentou a amizade franca e o diálogo sempre aberto. Quando perguntam aos “Mulas” como vai a guarnição, tranqüilos e cordiais responde, que “vão bem”. “Apesar dos coices, continuamos bons amigos”.
Em 20 de novembro de 1972, uma reportagem da “Folha da Tarde” assinalou a presença, na guarnição, de Walter Stosch, com 82 anos (O Cacique), Germano Wetter, 72 anos (Ximango), Atanásio Muller, 56 anos, este já falecido a uns dois anos, José Petzhold, 67 anos, o relações públicas da turma, Augusto Souza, 54 anos, Edgar Barth, 67 anos, Bembo Spolaore, 60 anos, Aristides Barth, 53 anos, Carlos Endler, 62 anos. Idades essas em novembro de 1972. Naquela reportagem, véspera de mais um aniversário do GPA, lia-se que os velhinhos estavam remando no “Júpiter II”, em substituição ao primeiro, e que eles mesmos haviam mandado construir.
A reportagem foi feita na ilha do Oliveira, a qual, por pertencer ao GPA, passou a ser conhecida como “ilha do GPA”. Os velhinhos remam da sede até a ilha, onde chegam suarentos. O Petzhold acende o fogo para esquentar a água. Mas eles não tomam café naquele estado de higiene. Preferem todos se banharem às margens, todos nus, como vieram ao mundo. Esse banho é também tradicional.(nota do Editor: estes banhos no Guaíba ocorriam antes de 1978, agora a poluição completa do rio impede o seu uso para natação, poucos se arriscam a nadar) Encobertos pela vegetação das margens da ilha, mergulham despidos, refrescam-se e ficam prontos para saborear o café de chaleira. Regressam antes do meio-dia e para festejar a excursão, tomam na sede um limão forte e a tradicional cervejinha. Depois, rumo à casa, “que ninguém é de ferro”.
No domingo seguinte, repete-se a excursão e o cerimonial. Germano Wetter explica que os assuntos são variados e ninguém fala no serviço, na sua profissão. São todas conversas para esquecer o dia-a-dia da semana. “A gente rejuvenesce a cada fim-de-semana. E, apesar dos coices, continuamos sempre amigos. É o nosso lema”. Outra coisa: as anedotas são sempre “quentes”. Afinal, estamos um tanto gastos só fisicamente, o espírito continua o mesmo da mocidade. Aqui não se fala em idosos. E o importante é que desde 1936 conservamos a tradição”.
A 5 de dezembro de 1975, outra reportagem na “Folha da Tarde” e Túlio de Rose escrevia que “ao que tudo indica são os mais antigos remadores de todo o mundo.
Certa vez, na maior revista especializada de todo o globo, a “Canottagio”, da Itália, apareceu reportagem com veteranos italianos que orgulhavam-se do título de remarem juntos desde 1949”. Túlio escreveu para a revista falando da guarnição do Júpiter. “Dois números depois, saía carta e comentário registrando qual, de fato, era considerada a guarnição mais antiga ainda em atividade: a do GPA.”
Essa reportagem registrava que a guarnição já estava muito modificada da original. Era integrada por Manoel Silveira, então com 65 anos e que foi duas vezes campeão brasileiro de “quatro sem”, a famosa guarnição dos irmãos Silveira, do Canottieri. Ainda, Rudolf Durante, com 35 anos, dr. Ruy Fortini, tripulante e “médico de bordo”, então com 62 anos. Arlindo Risch (“O Favorita”) – um dos campeões brasileiros de anedotas – com 64 anos e Zbigniew Radzki, com 62 anos. Este faleceu há dois anos. No lugar do timoneiro estava Fritz Jarmatz, com 67 anos.
Segue a reportagem: “O cansaço aparece nas veias saltadas dos “Mulas”, que mesmo assim, avistando a ilha que se aproxima, não esmorecem a remada e nem quebram a harmonia. Petzhold, o mais velho dos sete, continua firme e vigoroso, os outros lhe seguindo a voga. Nos últimos trezentos metros, mais um esbanjamento de força e vigor, até a arribada final. Suados e satisfeitos eles venceram a primeira etapa do percurso. Então mergulham as pernas na água e ganham a terra. Vai começar a segunda parte deste ritual de quarenta anos (isto era em 1975): o café de chaleira. Todos se põem a trabalhar com entusiasmo. Uns lavam as xícaras que servirão para o café. Petzhold corta a lenha, junta gravetos e prepara o fogo. Fritz corta a facão os gravetos mais grossos. Os outros retiram da grande caixa transportada pelo “Júpiter”, os materiais e os gêneros comestíveis para o café. Fortini comenta que após o café, todos terão vigor para, na volta, fazer o mesmo tempo: vinte e dois minutos.

O café-de-chaleira requer uma técnica toda própria que os “Mulas” tiveram tempo de desenvolver. A primeira, a fervura da água. A segunda, já com o pó de café, o tição em brasa mergulha na chaleira, para o pó descer. Tudo pronto, a roda sentada e formada pelos bancos de pedra, a conversa corre rápida e desenvolta. Tudo é lembrado e há sempre um caso novo que alguém sabe e os outros desconhecem. No fundo de todas as conversas, o profundo amor pelo Guaíba.
Esses homens remaram, foram campeões, acompanharam acontecimentos e fatos próximos a este “rio que não é rio”. Sobre poluição nada falam. É impossível para eles pensar que seu habitat de muitos anos possa ficar imprestável. O café continua e os silêncios são recordações do que já foi feito. Em uma ou duas horas estarão remando de volta na direção do Clube”.
Nos 40 anos da turma, em 1976, além do jantar indefectível, aconteceu a entrega a Walter Stosch, de uma taça comemorativa, em vista de que esse hoje saudoso desportista, então o mais velho dentre os fundadores do grupo, estar afastado por razões de saúde. Stosch remou firme até o ano de 1970, aos 79 anos de idade, quando um enfarte o surpreendeu em seu escritório na tradicional firma Bromberg. Todavia, restabelecido, voltou ao “Júpiter”, não mais como remador, foi para o timão, até 1973, quando teve que se afastar definitivamente aos 82 anos.
Esses velhinhos lendários já mereceram uma reportagem da revista “Manchete”, número 1.239, de 17 de janeiro de 1976, de autoria de Léa Maria Aragon e fotos de Wilson Lima. Na bela reportagem, com suas fotografias, aparece na voga o José Petzhold, cabelos grisalhos, Hélio Santos, com 43 anos, é um dos “meninos”, dr. Rui Fortini, o “médico de bordo”, Bembo Spolaore, o dr. Nauro Bandeira, o “dentista de bordo” e Rudolf Durante. Ao timão, o Carlos Endler, o Gasolina, fabricante das saborosas salsichas de todos os cafés-de-chaleira.
Outro assíduo tripulante do Júpiter é o professor e cientista Mário Rigatto, vice-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Isto quando há vaga na guarnição. Rigatto é o responsável por freqüentes e regulares eletrocardiogramas feitos nos velhinhos. Mas mesmo que ele não chegue a tempo de integrar o barco, ele rema em um canoé ou em outro bote, no rumo da ilha, onde participa do banho no Guaíba, e com os mais moços, de uma “pelada” de vôlei ou de futebol. Salve 80 anos do remo gaúcho. Salve 42 anos da guarnição do Júpiter.”

Tripulações do Júpiter

Nestes setenta anos da existência muitos remadores do GPA já integraram a guarnição do “Júpiter”. Atualmente há uma equipe titular e diversos reservas, por isto, ocorrem várias modificações na constituição da tripulação no decorrer do tempo. A tripulação original, os fundadores, era formada pelos seguintes gepeanos:

WALTER STOSCH – “ Cacique”
GERMANO WETTER – “ Chimango”
CARLOS ENDLER – “Gasolina”
CRISTIANO BOHRER – “Boró”
OSCAR HELLER – “Mula”
KURT WETTER
EDGAR BARTH – “Conforto”

Em 2006, a guarnição base é constituida dos remadores:

Willy Waldemar Rübensam (Timoneiro) - Coordenador do “Júpiter”
Mozart de Araújo Gutterres
Germano Adolfo Paulo Schulz
Anastácio Pinto Ferreira
Otávio Priori – “Bolinha”
Adalírio Holderbaum – Vice-Coordenador
Audelino Cláudio Bonelli

Os atuais integrantes têm uma longa tradição dentro do GPA, pois foram dirigentes, campeões de remo, de natação e de “water-polo”, como no caso do Willy. Neste mesmo ano são reservas do “Júpiter”, os gepeanos:

Carlos Augusto Chiapetti
Juarez Przybylski
Elzio Barbosa Rodrigues
Henrique Lederer - “Professor”
Carlos Júlio Saueressig - “Seu Júlio”
Clóvis Soares de Oliveira - “Escovinha”
Carlos Alberto Araújo
Álvaro Danúbio Copetti
Marco Aurélio Selbach - “Marquinho”
Elimar Francisco Berwanger

Tripularam o barco, quer como titulares, quer como reservas, entre os anos de 1936 a 2006, os seguintes remadores e timoneiros:

Luiz Buchmann Filho
Romeu Nicola Paliosa
Osvaldo Otto Klein - “Canoa”
Arlindo Risch - “Favorita”
Ari Edmar Lanzer
Roberto Schulz
Régis Baldino
Félix Kessler Coelho de Souza
Mário Rigatto - patrono do GPA
Paulo Rigatto
Luiz Rigatto
Maurício Saueressig
Arno Tesche
José Endler
Ruy Fortini
Nauro Bandeira
Hélio Augusto dos Santos - “Bergão”
Osvaldo Rolla - “Foguinho”
Rudolf Durante
Manoel Silveira
Nelson Silveira
Zibgniew Radzki
Augusto de Souza
Carlos Chiapetti - “Engole Vidro”
Alfredo Waldow - “Papier”
Aristides Barth
Dorival Lopes Machado
Eduardo Czunbysnki
Paulo Kohl
Verner Mathias Thormann
Alexandre Herzog
Arlindo Cabral - timoneiro olímpico (Londres/1948)
Paulo Diebold - remador olímpico (Londres/1948)
João Carlos Wallau Filho, excepcional dirigente do GPA.
Jalmar Fagundes da Silva
Martin Dallegrave - “Zuco”
Hélio Ribeiro de Oliveira -“Vovô”
Willy Jaroshein
Eduardo Jung - “Eva”- legendário timoneiro do GPA
Fritz Jarmatz
Moacir Almada Moreira
Heinz Emil Schulz - “Barão” - notável singlista do GPA
Fritz Reuter - “Papa”
João Manoel Pinheiro Badia - “Brotinho”
Luiz Felipe Quintela Badia - “Filho do Brotinho”
Dante Silvio Klein
Edgar Lanzer - dirigente memorável do GPA
Ilo Carlos Lanzer
Ari H. Bandeira
Helmuth Glimm
Cláudio Müller
José R. Petzhold - o remador que mais remou no Júpiter.
Fernando Rolla
Hans Stuckmann
Kurt Wetter
Werner Schnadorff - “Chandoca”
Cristina Jacoby Müller - provavelmente a primeira representante feminina a remar e timonear o Júpiter
Ronaldo Mohr
Enio Corbellini
Álvaro Pereira
Paulo Ribeiro
Osvaldo Thomaz Born
Henrique Kranen Filho
Cláudio Selbach
Adalberto de Paiva Schein
Aristides Ivo Barth
Francisco de Paula Mascorda - “Tio Xico”
Rodolfo Böttcher
Günther Sauter
José Ivo Stefani
Darcy Giarate Nichnig
Gilson Bermudez Côrrea
Antônio Pereira - “Toni”
Bempo Spolaore
Emílio Athanásio Muller
Alberto Theobaldo Ângelo - “Seu Ângelo”
Alexandre Herzog
Willy Jarosheim
Emílio Treptow
Jalmar Fagundes da Silva

Além dos nomes anteriormente citados, outros gepeanos, cujas identidades não foi possível resgatar, também remaram no Júpiter. Um fato interessante refere-se aos apelidos de alguns remadores do Júpiter, que sempre foram colocados de forma simpática e amiga, nunca ofensivamente. Vários gepeanos até adotaram o apelido de forma inseparável do seu nome próprio. Por exemplo, o grande remador e dirigente, já falecido, Osvaldo Otto Klein, por muitos era conhecido simplesmente por “Canoa”.

Estórias do Júpiter

Desde o lançamento do barco(1936) nas águas do Guaíba na rampa do velho casarão da Rua Voluntários da Pátria, passando pela instalações provisórias na antiga Doca das Frutas e na atual sede no Cais Marcílio Dias, até abril de 2006, o Júpiter já desatracou, aproximadamente, 3.690 vezes. Destas milhares de saídas, rigorosamente registradas e cronometradas, quando coordenadas pelo “Seu” Stosch, surgiram muitas histórias, na maioria cômicas, pois a alegria e as brincadeiras são inseparáveis do “Júpiter”. Alguns destes “causos” já se constituem em verdadeiras lendas do GPA. Se quiserem acreditar como narração fiel de acontecimentos verdadeiros, vamos transcrever abaixo quatro destas estórias. Inclusive estes episódios foram publicados no jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, na sua edição de 5 de novembro de 1978, em artigo assinado pelo inesquecível gepeano Dr. Ruy Fortini. Ei-las:

História nº 1 –Numa manhã de forte nevoeiro, a guarnição estava indecisa, pois a visibilidade era nula, e as probabilidades de chegar ao destino eram muito escassas. Mas o Gasolina (José Endler), que era o timoneiro, insistiu para que pusessem o barco na água, pois ele garantia a mão. Para evitar o risco de algum abalroamento, o timoneiro foi compassando as remadas, em voz bem alta. Depois de remarem quase meia hora, o Gasolina deu a seguinte ordem: “Devagar, sem força, porque estamos chegando e preciso cuidar da atracação. De fato, o “Júpiter” estava chegando, mas não na ilha do seu destino e sim na rampa do Vasco da Gama, distante 300 metros do lugar de partida.”

História nº 2 – Em suas excursões os remadores do “Júpiter” usavam uma voga de 20 remadas por minuto e remavam durante 30 minutos, o que representava 600 remadas. Nos primeiros dez anos de atividades, neste ritmo, eles percorriam 5 quilômetros, 20 anos depois a distância era de 4 quilômetros, e após 30 anos de ação, as 600 remadas cobriam escassamente 3 quilômetros de distância. Ai, é claro, teve que recomeçar o processo de renovação da equipe. Agora (1978), com 600 remadas, o Júpiter está novamente na marca dos 5 quilômetros. Mas há muita gente interessada na duração desta performance.

História nº 3 – Outro caso ocorrido em manhã de intenso nevoeiro: o timoneiro era o Arlindo Cabral, que para não ser perder resolveu costear a ilha do Humaitá, onde existe um tambo de leite. Lá pelas tantas, ouviu-se a voz\ do Cabral: “Alto. Escorem, porque há uns tocos ai na frente.” Foi feito alto e então ouviu-se um toco – mugir. Era uma vaca que tinha entrado no rio, quase provocando uma colisão com o Júpiter.

História nº 4 – Em sua mais recente composição (1978), quase todos os integrantes do Júpiter eram aposentados. Este fato originou da parte do Chimango (Germano Wetter) esta irreverente definição: “Ai vem chegando a guarnição do INSS.”

O lamento do paraíso perdido

Não se poderia editar um livro como este, que fala do amor dos integrantes do Júpiter pelo Guaíba, sem registrar a violenta e progressiva poluição do estuário. Nos últimos vinte anos a degradação dos rios e das margens do Guaíba é dramática. Os membros do Júpiter, no passado, costumavam banhar-se no rio-lago e utilizavam de suas águas para fazer o famoso café de chaleira. Hoje, a progressividade da deterioração da água e de todo o entorno é assustadora. O rio Gravataí está praticamente morto e sua água é extremamente contaminada. O rio dos Sinos segue a mesma corrente de eliminação de toda a vida animal fluvial. Peixes nestes dois cursos d’água somente sobrevivem por milagre. No trecho central do Guaíba, da Ponta da Usina do Gasômetro até as pontes sobre o rio Gravataí, na BR/116, a poluição é visível a olho nu. Neste percurso, os atuais remadores tem receio em simplesmente tocar com as mãos na superfície da água.
Quanta indiferença, quanto descaso com relação a este patrimônio de todos os gaúchos. O sagrado respeito dos integrantes do Júpiter ao Guaíba, razão necessária e indispensável de sua existência, motiva este veemente protesto em nome dos antigos, atuais e das próximas gerações que desejarão usufruir desta maravilha da natureza. O rio que viu o Júpiter ser lançado às suas águas, com profundo respeito e com a compreensão da fragilidade deste ecossistema, hoje é uma corrente de “água” poluída que vai se transformando em um novo Tietê.


Ao Willy - guia e chefe do “seis”


Nevoeiro, muito nevoeiro, só nevoeiro
Rampa encoberta pelo manto branco
O “seis” desatraca. O homem do leme
verifica a sua “bóia de pescoço” e, calma e
pausadamente, grita:
“Atenção”. “Remos a proa.” “Larga.”
Mentalmente, encomenda-se ao deus Júpiter,
a todos os santos da cristandade e em especial
à Santa padroeira dos navegantes.
Afinal, em dia de nevoeiro, com o “Bolinha” e
o “Professor” à bordo, tudo pode acontecer.

(ADC )


Ao final desse belo texto há uma seção intitulada "Memória Iconográfica" com dezesseis imagens de 1944 a 2005 que merecem ser vistas.


Gostaria de agradecer a Álvaro Copetti - e aos remadores que mantiveram e mantêm a chama de Júpiter acesa - pelo texto que é um resgate da bela história do Júpiter, história essa que deveria ser do conhecimento público, tornada texto obrigatório em nossa tão depauperada educação básica. Eu, que só tomei conhecimento dessa história em julho de 2009, emociono-me ao ver resgatado tão nobre sentimento de amor ao remo, ao rio (ou lago, ou estuário) e, fundamentalmente, à amizade...

Obrigado!

1 comment:

Luiz Rigatto said...

Oi Leonardo!
Legal a matéria do Júpiter! Dá saudades de botar o barco na água e remar pelo Guaiba até a ilha!
Abraço!