Sunday, December 31, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - quarto capítulo


O Parque Santa Teresa conta com 3000 hectares e mais de dois milhões de árvores da flora uruguaia e de espécies exóticas. É um local espetacular, bem cuidado e limpo, onde se pode acampar com toda a comodidade. Médico, dentista, telefonia, supermercado, padaria, chuveiros com água quente, tudo isto dentro de um parque. A área destinada ao camping conta com lotes preestabelecidos e nas proximidades de cada um há lixeiras. Mais de 60 quilômetros de trilhas para caminhadas. Tudo muito organizado e limpo, convidando quem uma vez lá esteve a retornar. Além de tudo o que já foi dito, praias: Praia e Punta de la Moza, Praia de las Achiras, Punta Cerro Chato, Praia e Punta del Barco, Praia Grande.
Após visitarmos demoradamente a Fortaleza de Santa Teresa, andando por suas muralhas e conhecendo as suas edificações (“polvorín, capilla, museo com maquetas de las distintas fortalezas del Uruguay”), resolvemos conhecer e ficar no camping do Parque Santa Teresa. Escolhemos um belo local para as duas barracas com vista para o mar: ao norte, Praia de la Moza e ao sul, Praia de las Achiras. No lado oeste, a fortaleza, onde retornei no final da tarde para observar o entardecer. Algumas nuvens encobriram o horizonte mas a bela paisagem vale qualquer visita. A fortaleza está sobre uma elevação – o que é bastante raro nessa parte do Uruguai, pois tudo é plano – e domina as grandes extensões de terra ao seu redor. Hoje algumas vacas pastam tranqüilamente onde há pouco tempo soldados matavam e morriam pelo domínio do local.
À noite tomamos um bom banho (quente), fizemos compras no supermercado do camping e preparamos uma bela janta tendo o delicioso iogurte uruguaio por sobremesa. Telefonamos para casa, matando um pouco das saudades que já se faziam sentir e fomos dormir, descansando para a jornada do dia seguinte.

Sétimo dia (29/12/00 – sexta) – Fortaleza de Santa Teresa a La Paloma.

Acordamos bem cedo, devido à diferença de horário – no Uruguai, estávamos com uma hora de atraso em relação ao Brasil. O dia amanheceu muito bonito e, pouco tempo depois, uma névoa cobriu toda a região.

Distância pedalada no dia: 114,89 km.
Distância total acumulada: 819,85 km.
Tempo pedalado: 4 h 41 min 55 s.
Velocidade média: 24,4 km/h.
Velocidade máxima: 57,0 km/h.

Pouco antes da saída percebi que o pneu traseiro de minha bicicleta estava completamente murcho. Provavelmente deveria ser um furo provocado pela batida da roda em uma pedra (tipo de furo conhecido como “snake bit” ou mordida de cobra, pois apresenta-se como furos minúsculos). Desmontando a roda e retirando o pneu e a câmara, tivemos que encher o pneu e colocá-lo dentro de um balde com água para descobrir onde estava furado. Tudo isso soa muito fácil, mas “colocá-lo dentro de um balde” implica em várias coisas com as quais o leitor pode não estar familiarizado. Em primeiro lugar foi preciso conseguir um balde, pois aquela hora da manhã todos ainda dormiam. Encontrando funcionárias da limpeza, precisávamos nos fazer entender: “afinal, como é que se chama balde em espanhol???”
Conserto pronto, saímos com tempo nublado e ameaça de chuva – que não se concretizou. Continuamos a pedalar pela Ruta 9 até o acesso (Ruta 16) para Aguas Dulces, onde paramos em um posto de informações turísticas. Continuando a pedalar, passamos por toda a extensão da Laguna Negra e chegamos à Ruta 10, seguindo novamente paralelamente ao litoral. Nessa rodovia a pavimentação estava bastante remendada e com alguns buracos, o que nos chamou a atenção, pois até aquele momento havíamos pedalado pelas boas estradas uruguaias. Duas bicicletas, de Egon e Jacson, do tipo “mountain bike”, passavam tranqüilamente por todo o tipo de terreno, afinal haviam sido projetadas e construídas para isso (mas não para o excesso de peso de todo o nosso material), enquanto a minha, do tipo “speed”, com pneus bem finos, adequava-se muito bem para grande velocidade em asfalto de boa qualidade, mas sofria com pistas mal conservadas.
Paramos às margens do Rio Valizas, região na qual existem árvores centenárias chamadas Los Ombúes. Para conhecê-las teríamos que pagar um passeio de barco, o que decidimos não fazer. Enquanto descansávamos, dois senhores de uma emissora de televisão (Canal 2) vieram nos entrevistar, pois casualmente estavam naquele local fazendo uma matéria sobre a região. Em um portunhol já razoável conseguimos nos fazer entender.
Com o tempo ameaçando chover seguimos viagem e decidimos deixar para trás a região do Cabo Polonio, que inicialmente gostaríamos de visitar. O acesso ao litoral existe somente através de empresas que transportam turistas por meio de “caminhões-gaiola” especialmente preparados para o trânsito sobre as dunas de areia fofa. Pedalamos por mais difíceis 45 quilômetros de estrada precária que, aliada ao vento contrário, dificultava o bom andamento. Mesmo nesses momentos um pouco menos agradáveis sempre encontrávamos algo para nos distrair ou alegrar, como um filhote de tatu zanzando à beira da rodovia ou uma ema passeando pelo campo. Encontramos também vestígios do que poderia ter sido uma árvore petrificada.
Passamos pelo acesso a várias praias como La Pedrera, Antoniopolis, Costa Azul e La Aguada. Chegando em La Paloma, encontramos facilmente o Albergue da Juventude Altena 5000, local onde passaríamos a noite. Um belo local, dentro do Parque Andresito. Apresentamos nossas carteirinhas de alberguista, pagamos a diária de aproximadamente 7 dólares e fomos arrumar o material, levar a roupa suja para lavanderia e ver os nossos beliches. Sem perder muito tempo, caminhamos ao centro da cidade e lá encontramos outro alberguista que também estava em um mercado à procura de um lanche. Enquanto nós tomávamos suco e iogurte, Mirko apreciava pão, queijo e uma garrafa de um litro de cerveja. Encostados em uma mureta, começamos a lanchar. Apareceu outro sujeito peculiar que também era da Europa e o assunto da conversa descambou para as bebidas. Segundo ele, a cerveja brasileira era boa, porque “é bem fraquinha, dá para tomar litros e litros”.
Bebidas à parte, despedimo-nos do amigo das cervejarias e fomos passear pelas ruas de La Paloma. A cidade está situada em uma ponta rochosa do Cabo de Santa Maria e se constitui no principal centro turístico de Rocha. No passado a enorme quantidade de naufrágios provocada pela inexistência de sinalização daquela perigosa região recheada de pedras determinou a construção, em 1874, do “Faro de La Paloma”. Durante a obra aconteceu uma forte tormenta que provocou um acidente e matou 17 operários. Eles foram enterrados no cemitério – na verdade, um monumento – bem ao lado do farol.
Antes de retornarmos ao albergue passamos em uma oficina de bicicletas e combinamos que no dia seguinte levaríamos, bem cedo, as bicicletas para alguns reparos. Voltamos para o Albergue Altena 5000 e ficamos conversando com Mirko até a hora do suculento jantar, que foi caprichado: chuleta, papas fritas, ovo frito e cerveja “de litro”. Conhecemos também a Delphine, uma francesa que estava viajando seis meses pela América do Sul. A conversa tornou-se internacional, regada a cerveja e chimarrão, em portunhol, alemão e inglês. Ganhamos novos amigos, que assim registraram suas impressões no diário de viagem:

“Ich konnte es nicht glauben, als ich von dem doch sehr verrückten Vorhaben hatte, mit dem Fahrrad quer durch Süd-Amerika zu fahren. Es war ein sehr schöner Abend, der wiedermal gezeigt hat, dass die Welt zusammenrückt und wieviel man voneinder lernen kann. Ich wünsche auch viel Glück und drücke die Daumen für die Tour, die Zukunft und für alle persönlichen und beruflichen Herausforderungen.
Alles gute – Mirko aus Deutschland.”

Tradução: “Custou-me acreditar no propósito descabido (arrojado) de cruzar de bicicleta a América do Sul. Foi uma noite aprazível em que mais uma vez ficou caracterizado o quanto o mundo encolheu e o quanto podemos aprender uns com os outros. Desejo boa sorte e torço pela viagem, pelo futuro e por todos os próximos desafios, pessoais e profissionais.
Tudo de bom – Mirko da Alemanha.”

“Trois brésiliens, des bicyclettes et un plan organisé comme jamais vu. Un beau voyage en perspective je vous envie beaucoup. J’espère que les montagnes ne seront pas trop difficile à grimper et que tous vos rèver qui accompagnent ce voyage seront réalises. Tudo bom.
Bonne chance et bom vent.
Delphine”

Tradução: “Três brasileiros, suas bicicletas e um plano organizado como jamais vi. Eu vos desejo muito uma boa expectativa de viagem. Espero que a escalada das montanhas não seja muito difícil e que todos os sonhos que acompanham a sua viagem sejam realizados. ‘Todo bom’.
Boa sorte e bom vento.
Delphine”

Wednesday, December 27, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - terceiro capítulo


O forte temporal que se abateu sobre a plana e vasta região sul do Estado nos atingiu em cheio. Protegidos pela construção do posto de fiscalização do ICM nas proximidades do Banhado do Taim, que serviu como quebra-vento, conseguimos conviver com essa grandiosa demonstração de força da mãe natureza sem danos materiais. Os fiscais do posto ficaram preocupados e durante a madrugada por várias vezes suas lanternas varreram a área do nosso acampamento em busca de sinais que pudessem indicar nossa situação. Felizmente tudo correu bem.
O dia seguinte amanheceu com chuva e vento.

Quinto dia (27/12/00 – quarta) – Taim ao Chuí.

Distância pedalada no dia: 139,69 km.
Distância total acumulada: 645,26 km.
Tempo pedalado: 5 h 49 min 31 s.
Velocidade média: 24,0 km/h.
Velocidade máxima: 39,5 km/h.

Nesse quinto dia de viagem precisamos arrumar todo o material em meio à chuva. Não é uma tarefa muito agradável desmontar acampamento e guardar coisas molhadas, ao mesmo tempo em que é preciso manter isoladas as roupas que ainda estão secas. Mas isto faz parte dos momentos não tão agradáveis de uma expedição desse tipo e, quando sentimos novamente os raios de sol nos aquecendo, rapidamente somos estimulados a esquecer os maus bocados pelos quais já passamos.
Após um breve lanche e de nos despedirmos dos funcionários do posto de fiscalização, começamos mais um dia de pedalada. A chuva começou a aumentar e depois de pedalar apenas seis quilômetros, decidi procurar abrigo em uma parada de ônibus e em um telhado de uma casa desabitada. Não me importo em pedalar debaixo de chuva, desde que ela não esteja acompanhada por uma tempestade elétrica. Em uma região extremamente plana e alagadiça como aquela, onde a vegetação predominante são gramíneas e apenas alguns capões de mato esparsos, onde a estrada está sensivelmente mais alta do que o terreno ao seu redor e quando os raios começam a cair, sinceramente não me sinto nem um pouco à vontade. É um daqueles momentos em que nos perguntamos “o que estou fazendo aqui?”. Egon e Jacson, felizmente, não partilhavam dessa mesma angústia e seguiram adiante. A distância que nos separaria provavelmente não seria empecilho, visto que minha velocidade média era consideravelmente mais alta (principalmente se comparada à de Jacson, que estava com excesso de peso na sua bicicleta).
Quando as condições melhoraram, voltei a pedalar. Catorze quilômetros depois, encontrei meu pai em um restaurante na beira da estrada. Tomamos um café quente e saímos decididos a eliminar os quarenta e cinco minutos de diferença que nos separavam do Jacson. O vento havia rondado e agora soprava favoravelmente. Pedalamos praticamente sem parar por 100 quilômetros (paramos uma única vez para “ir ao banheiro”) até alcançarmos nosso companheiro de jornada já nas proximidades de Santa Vitória do Palmar. Resolvemos comemorar parando em um bar onde almoçamos bauru e batatas fritas com refrigerante.
De volta à estrada, seguimos por mais vinte quilômetros até o Chuí, última cidade brasileira em nosso roteiro. Nessa tarde passamos pelo controle fronteiriço brasileiro sem grandes complicações. Nessa região esse controle ainda não é integrado, o que significa mais um posto de controle na entrada do Uruguai. Mas esse posto ficaria para o dia seguinte, pois no momento estávamos mais interessados em encontrar um local para descansarmos. Gostaríamos de estender roupas, barracas (e tudo o que estava molhado) para secar, tomar um bom banho quente e dormir de novo em uma cama. À margem da rodovia encontramos o Hotel Fênix, com modestas acomodações. Era o que procurávamos. Depois de uma boa janta e de um merecido descanso, estaríamos prontos para conhecer um novo país.

Sexto dia (28/12/00 – quinta) – Chuí à Fortaleza de Santa Teresa (Uruguai)

Distância pedalada no dia: 59,69 km.
Distância total acumulada: 704,96 km.
Tempo pedalado: 3 h 13 min 03 s.
Velocidade média: 18,55 km/h.
Velocidade máxima: 41,5 km/h.

Uma boa noite de sono e um café da manhã reforçado nos deixaram em condições de prosseguir. Não seria um dia difícil, pois pretendíamos pedalar até um monumento histórico bastante interessante nas proximidades do litoral uruguaio. No início do dia fomos conhecer a avenida que divide – ou une, dependendo do ponto de vista – os países do Brasil e do Uruguay (grafia adotada no país). A cidade tem o mesmo nome – Chuí/Chuy – e o “portunhol” parece ser o idioma mais falado. Muitos camelôs e lojas de bugigangas tentam convencer os transeuntes e a aparência do local fatalmente nos lembra que estamos no Terceiro Mundo. Todos nós fizemos compras: Egon comprou um queijo (excelente), Jacson esferas – já antevendo o problema que teria mais adiante – e eu uma bateria para a máquina fotográfica.
Após algumas fotos e bastante queijo (que teríamos que comer antes de passarmos pela fronteira por causa do controle fitossanitário), seguimos já em solo uruguaio até o posto da aduana. Fomos muito mal atendidos por um sujeito carrancudo que nos deu algo que lembrava um formulário para preenchermos. Lembrava porque era uma cópia xerox provavelmente oriunda de muitas cópias anteriores. O espaço destinado ao número do documento de identidade era insuficiente e, ao continuarmos a escrever além do espaço destinado, fomos insultados com declarações de que “no Brasil não sabem preencher formulários”. Tive muita vontade de responder em alto e bom tom que no Brasil os formulários são elaborados de maneira correta, com espaço e esclarecimento adequados. O bom senso, no entanto, evitou que o fizesse, podendo vir a causar atritos e complicações desnecessários. Passando por um líquido para desinfecção dos pneus definitivamente entrávamos no Uruguai.
Nosso primeiro destino em terras estrangeiras era o litoral. Seguimos até a Barra del Chuy, onde caminhamos até os molhes do Arroio Chuí e apreciamos o ponto extremo do nosso país. Tomamos banho de mar e resolvemos experimentar o portunhol em um quiosque pedindo batatas fritas – ou, como logo aprendemos, papas fritas. Após esse breve almoço continuamos nossa viagem pela Ruta 9 (ruta nueve) com asfalto em muito boas condições e chegamos em um dos sítios históricos mais interessantes de nossa passagem pelo Uruguai.
Na estreita faixa de terra que separa a zona lacustre do Departamento de Rocha (que no Brasil seria considerado um Estado) e o Oceano Atlântico, a dois quilômetros da costa, localiza-se um dos monumentos históricos de maior interesse do Uruguai, verdadeira jóia da arquitetura do século XVIII. É a Fortaleza de Santa Teresa. Situada dentro do Parque Nacional Santa Teresa, teve o início de suas obras através dos portugueses em 1762. Tomada pelos espanhóis e por eles continuada e finalizada, tomou a forma pentagonal com 642 metros de perímetro que pode ser apreciada até hoje. Nesse intervalo de tempo foi conquistada diversas vezes, pois era considerada um ponto estratégico muito importante devido à localização em um ponto dominante dessa região, conhecida por La Angostura (em português, estreitamento – porque servia como única passagem entre o oceano e uma região lacustre). Foi palco de batalhas entre espanhóis, portugueses, ingleses, “criollos”, “orientales” e, pertencendo ao Uruguai já como país, durante guerras civis. Posteriormente foi abandonada, depredada e permaneceu à mercê dos elementos. A areia da região chegou a encobri-la quase completamente. No início do século passado foi redescoberta como monumento histórico e em 1928 iniciou-se o processo de restauração. Quem hoje chega ao local paga um ingresso com preço equivalente a um dólar e, passando pelas imensas paredes duplas de pedra recheadas de terra, pode conhecer essa excepcional construção.

Thursday, December 21, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - segundo capítulo


Após uma terrível noite sendo atacados por multidões de mosquito que vorazmente insistiam em nos transformar em ceia de Natal, acordamos – se é que poderíamos chamar desse modo, após tão mal-dormida noite! – e tratamos de deixar logo o ginásio que nos servira de abrigo, afinal não nos traria boas recordações. Saíamos às sete horas da manhã.
Pedalando lentamente pelas calmas ruas de Camaquã deixamos a cidade, que ainda dormia. Iniciávamos o terceiro dia de pedalada, assim registrado pelo computador de viagem:

Terceiro dia (25/12/00 – segunda) – Camaquã a Vila da Quinta.

Distância pedalada no dia: 173,19 km.
Distância total acumulada: 417,38 km.
Tempo pedalado: 7 h 18 min 01 s.
Velocidade média: 23,7 km/h.
Velocidade máxima: 57,5 km/h.

Uma fraca névoa encobria a paisagem quando chegamos ao entroncamento com a rodovia BR 116, por onde seguiríamos até a cidade de Pelotas para depois pedalarmos pela Rodovia da Produção (BR 392) em direção a Rio Grande. Estranhamente, nenhum movimento de veículos, nenhum carro ou mesmo os tão “temíveis” caminhões que diariamente transportam grande quantidade de cargas para o Porto de Rio Grande. O único espectador que encontramos nesse local foi um simpático cachorro que chegou a fazer pose para a fotografia. Sem qualquer dúvida, um Natal diferente.
Às margens da estrada a paisagem tornava-se interessante, bastante diferente do intenso movimento que imaginávamos encontrar naquela rodovia. Plantações, coxilhas, açudes com águas espelhadas devido à ausência de vento. Muitos ratões do banhado, garças e até colhereiros incrivelmente rosados nos fizeram companhia nesse pacato dia natalino. Pedalamos por várias retas “quase intermináveis”, parando à beira da estrada e em postos de gasolina para tomar água e iogurtes e comer amendoins, lingüiça e bolachas. Nossa dieta alimentar certamente faria qualquer nutricionista ter acessos de loucura para entender como pudemos continuar pedalando por um mês sem contarmos com um cardápio balanceado.
Passamos pela ponte sobre o Rio Camaquã, um largo rio com grandes bancos de areia que desemboca na Lagoa dos Patos (Laguna dos Patos, segundo os geógrafos) e, algum tempo depois, pela estrada de acesso a São Lourenço do Sul. Percorrendo aproximadamente 65 quilômetros, passamos pela periferia de Pelotas e paramos em uma central de informações turísticas. Como imaginávamos, esse tipo de serviço está voltado diretamente ao turista convencional, aquele que vai a Pelotas em busca de doces e não se importa em pagar por um confortável hotel. Resolvemos seguir até a Vila da Quinta, um vilarejo às margens da rodovia no caminho para Rio Grande. Seguindo ao largo de Pelotas, passamos pela grande ponte sobre o Canal de São Gonçalo, que liga as lagoas Mirim e dos Patos. A ponte atualmente permite o trânsito por apenas uma das duas enormes vias de rodagem em forma de arco que foram construídas, o que nos leva a refletir sobre o (mau) investimento nas obras faraônicas desse imenso país. Do alto dessa inacabada obra de engenharia uma grande planície se descortina até onde a vista alcança, tornando possível imaginarmos que um dia toda aquela extensão já havia sido tomada pelo oceano e agora, devido à baixa altitude e praticamente nenhuma declividade, proporciona a formação dos alagados que formam o Banhado do Taim.
A partir da ponte tomei a dianteira do grupo e pedalei em grande velocidade, distanciando-me e ganhando tempo para chegar antes na Vila da Quinta. Em Julho de 1995 eu já havia percorrido esse mesmo trajeto, parando do mesmo modo naquele local. Segui então ao posto da Brigada Militar e consegui espaço para montarmos acampamento. Poderíamos utilizar o banheiro e a cozinha para prepararmos o jantar. E foi o que fizemos: de banho tomado, preparamos sopa (entrada), massa sabor galinha caipira (prato principal) e um delicioso café com leite (sobremesa). Após esse excelente jantar baseado em carboidratos, conversamos com o policial de plantão para obtermos informações a respeito do trecho que teríamos pela frente. Uma região muito plana, com retas ainda maiores do que aquelas que já achávamos enormes! O que não imaginávamos era o forte temporal que nos aguardava enquanto seguíamos para o extremo sul do país...!

Quarto dia (26/12/00 – terça) – Vila da Quinta ao Taim.

Distância pedalada no dia: 88,18 km.
Distância total acumulada: 505,57 km.
Tempo pedalado: 4 h 03 min 04 s.
Velocidade média: 21,8 km/h.
Velocidade máxima: 35,5 km/h.

Despedimo-nos da guarnição do posto da Brigada Militar de Vila da Quinta e seguimos pela BR 471, agora diretamente para o sul. À medida que avançávamos pelas grandes e planas retas, ganhando latitude, mais próximos da entrada para um novo e desconhecido território estávamos. As poucas curvas que encontramos no caminho eram muito suaves, aumentando bastante a idéia de amplidão que a paisagem já nos transmitia. Uma leve brisa soprava em direção favorável, mas o dia estava extremamente quente. Jacson reclamava do cansaço e de pés doendo.
Paramos para descansar em um armazém de uma grande fazenda, onde as casas dos empregados eram todas iguais, com mesma cor e estilo. Nessa região do Rio Grande do Sul existem enormes plantações de arroz. Os mananciais de água provavelmente devam sofrer conseqüência direta dessa utilização, pois os herbicidas são aplicados em larga escala. Mas ninguém parece se preocupar com isso, deixando para as gerações futuras uma verdadeira bomba-relógio.
Após uma jornada extenuante sob o sol tórrido, que proporcionava uma miragem espetacular, chegamos à Vila do Taim. Bebemos todo o líquido possível em um pequeno armazém e, sob a orientação do curioso dono, fomos conhecer a Lagoa Mangueira. Pedalamos pelo Corredor das Corujas, estranho nome para um acesso de 500 metros até a lagoa. Encostamos as bicicletas carregadas à sombra de um quiosque abandonado e tratamos de nos refrigerar com um belo banho. A profundidade aumentava muito lentamente, de modo que pudemos caminhar por uma distância considerável lagoa adentro. Céu azul, sol forte e belos cúmulos no céu não prenunciavam nenhuma brusca mudança no clima. Ainda...
Após o revigorante banho empurramos as bicicletas pesadas pelo areal fofo e retornamos ao asfalto, seguindo até a sede da Estação Ecológica do Taim. Entramos e conversamos com um fiscal do Ibama que nos mostrou como a estação está localizada em meio ao banhado através de um mapa pintado em uma parede. Pudemos ter alguma noção da flora e da fauna locais através de fotografias dos exemplares mais significativos. Alguns deles pudemos observar logo em seguida, enquanto pedalávamos, como por exemplo as capivaras e as grandes garças. Em grande parte dos 15 quilômetros da reserva atravessados pelo asfalto há uma cerca de proteção impedindo o acesso dos animais à rodovia e alguns túneis servem como corredores de passagem entre um lado e outro da pista.Deixando a reserva para trás, tratamos de procurar um local para o acampamento. Em um pequeno aglomerado de casas tratamos de achar – não sem antes perambular um bocado antes de encontrar – o lugar onde passaríamos a noite. Coincidentemente ou não, acabamos optando por um acampamento ao lado de um posto de fiscalização do ICM, o que se revelou realmente importante algumas horas mais tarde. Acampamento montado, banho de mangueira tomado, panela com a tradicional massa já borbulhando. Durante o pôr-do-sol uma observação mais atenta já podia questionar as nuvens escuras que se aproximavam ao longe, no horizonte da direção sul. No início da noite os relâmpagos incessantes já eram facilmente perceptíveis e era apenas uma questão de tempo até que fôssemos tragados por um temporal de grandes proporções. Encolhidos dentro das barracas que estremeciam e pareciam ter vida própria, torcíamos para que não tivessem vocação para voar. Durante a noite chuva forte, raios e relâmpagos açoitaram incessantemente toda a região, como pudemos verificar nos dias subseqüentes: árvores inteiras chegaram a ser arrancadas do solo, deixando as raízes à mostra. Felizmente acampáramos na proteção da parede lateral do posto de fiscalização, amainando parcialmente a força titânica dos elementos.

Tuesday, December 19, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - primeiro capítulo


Véspera da partida (22/12/00 – sexta) – Linha Imperial/Nova Petrópolis

Preparativos de última hora, arrumação do material nas bicicletas, um friozinho na barriga pela aproximação da hora da partida e, ao mesmo tempo, ansiedade para iniciar logo mais uma aventura. As bagagens foram acomodadas dentro dos alforjes (mochilas dianteiras e traseiras adaptadas ou fabricadas especialmente para bicicletas). Tudo parecia muito pesado para nós naquele momento, considerando que deveríamos transportar tudo por três mil quilômetros. Ao mesmo tempo, não queríamos deixar nada para trás, esquecer algo que fosse indispensável mais tarde.
Os mais diversos itens foram guardados nos alforjes: barraca, saco de dormir, fogareiro, roupas, comida, equipamento fotográfico, material de manutenção, cartucho de gás sobressalente, bomba e cuia de chimarrão...
As comidas que escolhemos foram basicamente alimentos desidratados (sopas, massas), grãos (amendoim, passas de frutas), barras energéticas e a indispensável lingüiça colonial.
No final dessa véspera de expedição fomos dormir (ou tentar dormir) pensando no que encontraríamos pela frente nos próximos trinta dias. Dúvidas, ansiedade, vontade de partir. Nem é preciso relatar que dormimos pouco...

Primeiro dia (23/12/00 – sábado) – Linha Imperial/Nova Petrópolis a Porto Alegre.

Distância pedalada no dia: 105,65 km.
Distância total acumulada: 105,65 km.
Tempo pedalado: 4 h 54 min 28 s.
Velocidade média: 21,5 km/h.
Velocidade máxima: 70,0 km/h.

Antes de sair de casa posamos para a primeira foto da viagem, clicada pela esposa e mãe Dona Sonja. Despedimo-nos com aquele nó na garganta ao qual já nos acostumamos nas viagens anteriores e colocamos o pé na estrada. As bicicletas, pesadas, reclamavam pelo esforço devido à carga anormal. Lá fomos nós, prontos para a primeira subida, poucos metros adiante. Congratulações à parte, cada um de nós no seu íntimo agradecia ao inventor das marchas, pois sem elas não conseguiríamos subir todas as ladeiras do caminho. Metro após metro, chegamos ao Parque Aldeia do Imigrante.
No local previsto para a saída oficial alguns amigos compareceram para nos saudar e registrar o acontecimento. Algumas entrevistas e fotos depois, iniciávamos a jornada. Teríamos dez quilômetros de descida até o município de Picada Café e, a partir daí, uma sucessão de subidas e descidas até o início da grande Porto Alegre. Além do grupo que seguiria pelos três mil quilômetros previstos, mais dois ciclistas nos acompanharam nesse dia: Renato Grubert, grande amigo aventureiro – sempre disposto a nos acompanhar – e Clayton Rodrigues, amigo e colega da Educação Física, que veio de Porto Alegre para prestigiar esse primeiro dia de pedal.
Foi um dia quente, nublado e com o mormaço característico que antecede a chuva. Nas proximidades de Ivoti paramos em um posto de gasolina para descansar e aproveitamos para ingerir bastante líquido. Seguimos adiante, agora descendo, rumo a Novo Hamburgo, onde paramos para visitar nosso amigo Frederico Kroth que – não sabíamos! – estava de aniversário. Foi um excelente almoço com direito até a banho de piscina!!!
Chegando em Porto Alegre, despedimo-nos do Renato e do Clayton e fomos pedalar até um dos símbolos da cidade, a Usina do Gasômetro. Após algumas fotos rumamos para o apartamento da Betina, local de descanso nessa primeira noite de viagem. Onde estaríamos no dia seguinte seria uma incógnita, pois a previsão era uma parada em Camaquã, mas não havia nenhum contato prévio com relação à hospedagem. Como seria nossa noite de Natal?

Segundo dia (24/12/00 – domingo) – Porto Alegre a Camaquã.

Distância pedalada no dia: 138,53 km.
Distância total acumulada: 244,19 km.
Tempo pedalado: 6 h 10 min 28 s.
Velocidade média: 22,4 km/h.
Velocidade máxima: 50,5 km/h.

O segundo dia de viagem não nos reservava um tempo propício para uma viagem de bicicleta: chuvisqueiro fino, pista molhada. Deixamos o conforto do apartamento e pedalamos por uma Porto Alegre ainda adormecida nessa véspera de Natal. Passando pela rodoviária encontramos o amigo Clayton já nos esperando para seguir mais alguns quilômetros conosco. Seguimos pela avenida Castelo Branco e paramos na Ponte Móvel do Guaíba, marco importante em nosso trajeto: deixávamos o primeiro centro urbano importante, a primeira das Capitais do Mercosul. Em pouco tempo o chuvisqueiro cessou e passamos a contar com a presença de fraco vento desfavorável, que não chegava a atrapalhar a pedalada. No meio da manhã despedimo-nos de nosso último acompanhante, que fazia meia-volta e rumava para a capital.
À tarde passamos pela primeira grande reta, bem visível do alto de uma elevação. Para comemorar, paramos e tomamos refrigerante em cima de uma pedra. Seguindo adiante, percorremos o trajeto previsto até Camaquã, onde deixamos a estrada principal para entrarmos na cidade. Uma legítima romaria foi necessária para encontrarmos um local para pernoite: procuramos um albergue, pousada e até mesmo tentamos apelar para um padre (que não foi encontrado), o que nos fez lembrar a história de Maria e José – já que também estávamos na noite de Natal. Mas não encontramos nenhum estábulo, mas um ginásio de esportes onde o Corpo de Bombeiros possuía algumas dependências. Uma verdadeira novela se passou até conseguirmos autorização do “responsável” – que não estava, pois tinha ido à missa do tão procurado padre... Nossa noite de Natal seguramente foi a pior até hoje. Quem parece ter gostado foram os mosquitos, que tiveram uma ceia completa! Milhões deles pareciam ter se reunido para celebrar o banquete e nós éramos o prato principal. De nada adiantaram as estratégias como fechar o saco de dormir, usar toalha como coberta ou fazer de conta que não era conosco. Foi uma das poucas noites mal-dormidas de toda a viagem.

Monday, December 18, 2006

Aniversário!


Aniversário sempre é uma data em que vem à tona a reflexão sobre os mais variados temas - passado, presente, futuro. O que fizemos, o que poderíamos ter feito, o que deixamos de fazer, a nossa situação na atualidade, os planos para o futuro...
O que mais desejo nesse aniversário é que a reflexão seja precedida pela ação, pela concretização dos planos. Que as idéias deixem o plano das duas dimensões do papel para cristalizarem-se no multidimensional mundo real...
Isso depende principalmente de mim!

Thursday, December 14, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul

Após a conclusão do projeto 1000 km de Pedal – Nova Petrópolis – Litoral, no início do ano 2000, uma nova aventura começou a tomar forma. Um trajeto bem mais complexo, envolvendo quatro países, dificuldades com a comunicação e uma extensão de aproximadamente três mil quilômetros.
A preparação de uma viagem desse porte talvez seja tão interessante quanto a própria realização, pois exige pesquisa, contato com as mais diversas pessoas e a predisposição para transformar tudo o que foi planejado em algo que realmente poderá ser executado. O planejamento bem feito diminui muito as chances de insucesso e limita os imprevistos a acontecimentos inevitáveis, potencializando o sucesso da expedição. Mapas, livros, guias, cartas, pesquisa na internet, conversa com pessoas que passaram por experiências anteriores parecidas, tudo vai sendo acumulado e serve para o planejamento. Mas não adianta planejar e não executar, é preciso transformar os sonhos em realidade...
Foi isso o que fizemos, concretamente, na manhã do dia 23 de dezembro, quase às vésperas do Natal. O projeto De Bicicleta pelo Cone Sul contou com a participação de Jacson Plentz (Santa Cruz do Sul), Egon Esch (Nova Petrópolis) e Leonardo Esch (Nova Petrópolis), que idealizou a aventura e agora relata os acontecimentos.
De volta à saída, em frente ao Parque Aldeia do Imigrante – Nova Petrópolis –, posamos para a fotografia e nos despedimos daqueles que ficavam. O que nos esperava? Chuva, vento, sol? Como seriam as estradas? Conseguiríamos permanecer unidos como um grupo? Tudo o que havia sido planejado daria certo? Esperávamos que sim, mas era preciso comprovar. E foi assim, ouvindo o ruído dos pneus deixando o asfalto para trás, sentindo o cheiro das plantações, enfrentando o forte vento contrário, contemplando o pôr-do-sol, tremendo de frio após um banho quente em pleno solo da Cordilheira dos Andes, que fomos recolhendo sensações, passando por experiências que procuraremos lembrar e descrever daqui para a frente.
Todos os dias novos horizontes surgiam esperando sua conquista. Foi assim, conquistando horizontes, que conseguimos atravessar o continente e espiar um pouco do que o mundo além das fronteiras nos oferece!
Que esta aventura sirva de motivação aos leitores. Não se acomodem, realizem os seus sonhos. E boa viagem!

Wednesday, December 06, 2006

Passeio de bicicleta para a Terceira Légua

Terça-feira, 5 de dezembro de 2006. Pequena pedalada de 35 km pelo interior de Caxias do Sul, passando pela localidade chamada Terceira Légua. Pedalada tranqüila por estradas asfaltadas e de chão batido em boas condições. Até mesmo o clima resolveu cooperar, pois o sol forte se escondeu atrás de nuvens que chegaram para acalmar os ânimos do verão. Trajeto simples mas bacana.



Monday, December 04, 2006

Foto vencedora


Esta é a foto vencedora do concurso fotográfico do Primeiro Encontro Gaúcho de Ciclistas da Picada Café, ocorrido nos dias 17, 18 e 19 de novembro de 2006. Dentre aproximadamente cinqüenta fotografias, foi selecionada para a decisão final dos jurados e escolhida como merecedora do prêmio maior - um rack oferecido pela empresa Eqmax.
Concurso à parte, parabéns aos organizadores (principalmente ao Gilberto, do Ciclosinos - www.ciclosinos.com.br - e aos amigos da Prefeitura Municipal da Picada Café) e participantes que, enfrentando o tempo chuvoso, aproveitaram as ótimas palestras, os passeios, a exposição de fotografias e equipamentos e os diversos stands presentes. Que em 2007 o Segundo Encontro seja ainda melhor!!!

Canoagem oceânica: projeto para 2007


Projeto de canoagem oceânica para 2007: percorrer as lagoas do Litoral Norte do RS.
Atualmente na fase de pesquisa e desenvolvimento. Utilização de caiaques oceânicos, permitindo completa autonomia. Percurso aproximado de 540 quilômetros considerando-se o total norte-sul-norte.
Participantes: Leonardo Esch + ?
Quem se habilita?