O forte temporal que se abateu sobre a plana e vasta região sul do Estado nos atingiu em cheio. Protegidos pela construção do posto de fiscalização do ICM nas proximidades do Banhado do Taim, que serviu como quebra-vento, conseguimos conviver com essa grandiosa demonstração de força da mãe natureza sem danos materiais. Os fiscais do posto ficaram preocupados e durante a madrugada por várias vezes suas lanternas varreram a área do nosso acampamento em busca de sinais que pudessem indicar nossa situação. Felizmente tudo correu bem.
O dia seguinte amanheceu com chuva e vento.
Quinto dia (27/12/00 – quarta) – Taim ao Chuí.
Distância pedalada no dia: 139,69 km.
Distância total acumulada: 645,26 km.
Tempo pedalado: 5 h 49 min 31 s.
Velocidade média: 24,0 km/h.
Velocidade máxima: 39,5 km/h.
Nesse quinto dia de viagem precisamos arrumar todo o material em meio à chuva. Não é uma tarefa muito agradável desmontar acampamento e guardar coisas molhadas, ao mesmo tempo em que é preciso manter isoladas as roupas que ainda estão secas. Mas isto faz parte dos momentos não tão agradáveis de uma expedição desse tipo e, quando sentimos novamente os raios de sol nos aquecendo, rapidamente somos estimulados a esquecer os maus bocados pelos quais já passamos.
Após um breve lanche e de nos despedirmos dos funcionários do posto de fiscalização, começamos mais um dia de pedalada. A chuva começou a aumentar e depois de pedalar apenas seis quilômetros, decidi procurar abrigo em uma parada de ônibus e em um telhado de uma casa desabitada. Não me importo em pedalar debaixo de chuva, desde que ela não esteja acompanhada por uma tempestade elétrica. Em uma região extremamente plana e alagadiça como aquela, onde a vegetação predominante são gramíneas e apenas alguns capões de mato esparsos, onde a estrada está sensivelmente mais alta do que o terreno ao seu redor e quando os raios começam a cair, sinceramente não me sinto nem um pouco à vontade. É um daqueles momentos em que nos perguntamos “o que estou fazendo aqui?”. Egon e Jacson, felizmente, não partilhavam dessa mesma angústia e seguiram adiante. A distância que nos separaria provavelmente não seria empecilho, visto que minha velocidade média era consideravelmente mais alta (principalmente se comparada à de Jacson, que estava com excesso de peso na sua bicicleta).
Quando as condições melhoraram, voltei a pedalar. Catorze quilômetros depois, encontrei meu pai em um restaurante na beira da estrada. Tomamos um café quente e saímos decididos a eliminar os quarenta e cinco minutos de diferença que nos separavam do Jacson. O vento havia rondado e agora soprava favoravelmente. Pedalamos praticamente sem parar por 100 quilômetros (paramos uma única vez para “ir ao banheiro”) até alcançarmos nosso companheiro de jornada já nas proximidades de Santa Vitória do Palmar. Resolvemos comemorar parando em um bar onde almoçamos bauru e batatas fritas com refrigerante.
De volta à estrada, seguimos por mais vinte quilômetros até o Chuí, última cidade brasileira em nosso roteiro. Nessa tarde passamos pelo controle fronteiriço brasileiro sem grandes complicações. Nessa região esse controle ainda não é integrado, o que significa mais um posto de controle na entrada do Uruguai. Mas esse posto ficaria para o dia seguinte, pois no momento estávamos mais interessados em encontrar um local para descansarmos. Gostaríamos de estender roupas, barracas (e tudo o que estava molhado) para secar, tomar um bom banho quente e dormir de novo em uma cama. À margem da rodovia encontramos o Hotel Fênix, com modestas acomodações. Era o que procurávamos. Depois de uma boa janta e de um merecido descanso, estaríamos prontos para conhecer um novo país.
Sexto dia (28/12/00 – quinta) – Chuí à Fortaleza de Santa Teresa (Uruguai)
Distância pedalada no dia: 59,69 km.
Distância total acumulada: 704,96 km.
Tempo pedalado: 3 h 13 min 03 s.
Velocidade média: 18,55 km/h.
Velocidade máxima: 41,5 km/h.
Uma boa noite de sono e um café da manhã reforçado nos deixaram em condições de prosseguir. Não seria um dia difícil, pois pretendíamos pedalar até um monumento histórico bastante interessante nas proximidades do litoral uruguaio. No início do dia fomos conhecer a avenida que divide – ou une, dependendo do ponto de vista – os países do Brasil e do Uruguay (grafia adotada no país). A cidade tem o mesmo nome – Chuí/Chuy – e o “portunhol” parece ser o idioma mais falado. Muitos camelôs e lojas de bugigangas tentam convencer os transeuntes e a aparência do local fatalmente nos lembra que estamos no Terceiro Mundo. Todos nós fizemos compras: Egon comprou um queijo (excelente), Jacson esferas – já antevendo o problema que teria mais adiante – e eu uma bateria para a máquina fotográfica.
Após algumas fotos e bastante queijo (que teríamos que comer antes de passarmos pela fronteira por causa do controle fitossanitário), seguimos já em solo uruguaio até o posto da aduana. Fomos muito mal atendidos por um sujeito carrancudo que nos deu algo que lembrava um formulário para preenchermos. Lembrava porque era uma cópia xerox provavelmente oriunda de muitas cópias anteriores. O espaço destinado ao número do documento de identidade era insuficiente e, ao continuarmos a escrever além do espaço destinado, fomos insultados com declarações de que “no Brasil não sabem preencher formulários”. Tive muita vontade de responder em alto e bom tom que no Brasil os formulários são elaborados de maneira correta, com espaço e esclarecimento adequados. O bom senso, no entanto, evitou que o fizesse, podendo vir a causar atritos e complicações desnecessários. Passando por um líquido para desinfecção dos pneus definitivamente entrávamos no Uruguai.
Nosso primeiro destino em terras estrangeiras era o litoral. Seguimos até a Barra del Chuy, onde caminhamos até os molhes do Arroio Chuí e apreciamos o ponto extremo do nosso país. Tomamos banho de mar e resolvemos experimentar o portunhol em um quiosque pedindo batatas fritas – ou, como logo aprendemos, papas fritas. Após esse breve almoço continuamos nossa viagem pela Ruta 9 (ruta nueve) com asfalto em muito boas condições e chegamos em um dos sítios históricos mais interessantes de nossa passagem pelo Uruguai.
Na estreita faixa de terra que separa a zona lacustre do Departamento de Rocha (que no Brasil seria considerado um Estado) e o Oceano Atlântico, a dois quilômetros da costa, localiza-se um dos monumentos históricos de maior interesse do Uruguai, verdadeira jóia da arquitetura do século XVIII. É a Fortaleza de Santa Teresa. Situada dentro do Parque Nacional Santa Teresa, teve o início de suas obras através dos portugueses em 1762. Tomada pelos espanhóis e por eles continuada e finalizada, tomou a forma pentagonal com 642 metros de perímetro que pode ser apreciada até hoje. Nesse intervalo de tempo foi conquistada diversas vezes, pois era considerada um ponto estratégico muito importante devido à localização em um ponto dominante dessa região, conhecida por La Angostura (em português, estreitamento – porque servia como única passagem entre o oceano e uma região lacustre). Foi palco de batalhas entre espanhóis, portugueses, ingleses, “criollos”, “orientales” e, pertencendo ao Uruguai já como país, durante guerras civis. Posteriormente foi abandonada, depredada e permaneceu à mercê dos elementos. A areia da região chegou a encobri-la quase completamente. No início do século passado foi redescoberta como monumento histórico e em 1928 iniciou-se o processo de restauração. Quem hoje chega ao local paga um ingresso com preço equivalente a um dólar e, passando pelas imensas paredes duplas de pedra recheadas de terra, pode conhecer essa excepcional construção.
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