Tuesday, December 19, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - primeiro capítulo


Véspera da partida (22/12/00 – sexta) – Linha Imperial/Nova Petrópolis

Preparativos de última hora, arrumação do material nas bicicletas, um friozinho na barriga pela aproximação da hora da partida e, ao mesmo tempo, ansiedade para iniciar logo mais uma aventura. As bagagens foram acomodadas dentro dos alforjes (mochilas dianteiras e traseiras adaptadas ou fabricadas especialmente para bicicletas). Tudo parecia muito pesado para nós naquele momento, considerando que deveríamos transportar tudo por três mil quilômetros. Ao mesmo tempo, não queríamos deixar nada para trás, esquecer algo que fosse indispensável mais tarde.
Os mais diversos itens foram guardados nos alforjes: barraca, saco de dormir, fogareiro, roupas, comida, equipamento fotográfico, material de manutenção, cartucho de gás sobressalente, bomba e cuia de chimarrão...
As comidas que escolhemos foram basicamente alimentos desidratados (sopas, massas), grãos (amendoim, passas de frutas), barras energéticas e a indispensável lingüiça colonial.
No final dessa véspera de expedição fomos dormir (ou tentar dormir) pensando no que encontraríamos pela frente nos próximos trinta dias. Dúvidas, ansiedade, vontade de partir. Nem é preciso relatar que dormimos pouco...

Primeiro dia (23/12/00 – sábado) – Linha Imperial/Nova Petrópolis a Porto Alegre.

Distância pedalada no dia: 105,65 km.
Distância total acumulada: 105,65 km.
Tempo pedalado: 4 h 54 min 28 s.
Velocidade média: 21,5 km/h.
Velocidade máxima: 70,0 km/h.

Antes de sair de casa posamos para a primeira foto da viagem, clicada pela esposa e mãe Dona Sonja. Despedimo-nos com aquele nó na garganta ao qual já nos acostumamos nas viagens anteriores e colocamos o pé na estrada. As bicicletas, pesadas, reclamavam pelo esforço devido à carga anormal. Lá fomos nós, prontos para a primeira subida, poucos metros adiante. Congratulações à parte, cada um de nós no seu íntimo agradecia ao inventor das marchas, pois sem elas não conseguiríamos subir todas as ladeiras do caminho. Metro após metro, chegamos ao Parque Aldeia do Imigrante.
No local previsto para a saída oficial alguns amigos compareceram para nos saudar e registrar o acontecimento. Algumas entrevistas e fotos depois, iniciávamos a jornada. Teríamos dez quilômetros de descida até o município de Picada Café e, a partir daí, uma sucessão de subidas e descidas até o início da grande Porto Alegre. Além do grupo que seguiria pelos três mil quilômetros previstos, mais dois ciclistas nos acompanharam nesse dia: Renato Grubert, grande amigo aventureiro – sempre disposto a nos acompanhar – e Clayton Rodrigues, amigo e colega da Educação Física, que veio de Porto Alegre para prestigiar esse primeiro dia de pedal.
Foi um dia quente, nublado e com o mormaço característico que antecede a chuva. Nas proximidades de Ivoti paramos em um posto de gasolina para descansar e aproveitamos para ingerir bastante líquido. Seguimos adiante, agora descendo, rumo a Novo Hamburgo, onde paramos para visitar nosso amigo Frederico Kroth que – não sabíamos! – estava de aniversário. Foi um excelente almoço com direito até a banho de piscina!!!
Chegando em Porto Alegre, despedimo-nos do Renato e do Clayton e fomos pedalar até um dos símbolos da cidade, a Usina do Gasômetro. Após algumas fotos rumamos para o apartamento da Betina, local de descanso nessa primeira noite de viagem. Onde estaríamos no dia seguinte seria uma incógnita, pois a previsão era uma parada em Camaquã, mas não havia nenhum contato prévio com relação à hospedagem. Como seria nossa noite de Natal?

Segundo dia (24/12/00 – domingo) – Porto Alegre a Camaquã.

Distância pedalada no dia: 138,53 km.
Distância total acumulada: 244,19 km.
Tempo pedalado: 6 h 10 min 28 s.
Velocidade média: 22,4 km/h.
Velocidade máxima: 50,5 km/h.

O segundo dia de viagem não nos reservava um tempo propício para uma viagem de bicicleta: chuvisqueiro fino, pista molhada. Deixamos o conforto do apartamento e pedalamos por uma Porto Alegre ainda adormecida nessa véspera de Natal. Passando pela rodoviária encontramos o amigo Clayton já nos esperando para seguir mais alguns quilômetros conosco. Seguimos pela avenida Castelo Branco e paramos na Ponte Móvel do Guaíba, marco importante em nosso trajeto: deixávamos o primeiro centro urbano importante, a primeira das Capitais do Mercosul. Em pouco tempo o chuvisqueiro cessou e passamos a contar com a presença de fraco vento desfavorável, que não chegava a atrapalhar a pedalada. No meio da manhã despedimo-nos de nosso último acompanhante, que fazia meia-volta e rumava para a capital.
À tarde passamos pela primeira grande reta, bem visível do alto de uma elevação. Para comemorar, paramos e tomamos refrigerante em cima de uma pedra. Seguindo adiante, percorremos o trajeto previsto até Camaquã, onde deixamos a estrada principal para entrarmos na cidade. Uma legítima romaria foi necessária para encontrarmos um local para pernoite: procuramos um albergue, pousada e até mesmo tentamos apelar para um padre (que não foi encontrado), o que nos fez lembrar a história de Maria e José – já que também estávamos na noite de Natal. Mas não encontramos nenhum estábulo, mas um ginásio de esportes onde o Corpo de Bombeiros possuía algumas dependências. Uma verdadeira novela se passou até conseguirmos autorização do “responsável” – que não estava, pois tinha ido à missa do tão procurado padre... Nossa noite de Natal seguramente foi a pior até hoje. Quem parece ter gostado foram os mosquitos, que tiveram uma ceia completa! Milhões deles pareciam ter se reunido para celebrar o banquete e nós éramos o prato principal. De nada adiantaram as estratégias como fechar o saco de dormir, usar toalha como coberta ou fazer de conta que não era conosco. Foi uma das poucas noites mal-dormidas de toda a viagem.

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