Thursday, December 21, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - segundo capítulo


Após uma terrível noite sendo atacados por multidões de mosquito que vorazmente insistiam em nos transformar em ceia de Natal, acordamos – se é que poderíamos chamar desse modo, após tão mal-dormida noite! – e tratamos de deixar logo o ginásio que nos servira de abrigo, afinal não nos traria boas recordações. Saíamos às sete horas da manhã.
Pedalando lentamente pelas calmas ruas de Camaquã deixamos a cidade, que ainda dormia. Iniciávamos o terceiro dia de pedalada, assim registrado pelo computador de viagem:

Terceiro dia (25/12/00 – segunda) – Camaquã a Vila da Quinta.

Distância pedalada no dia: 173,19 km.
Distância total acumulada: 417,38 km.
Tempo pedalado: 7 h 18 min 01 s.
Velocidade média: 23,7 km/h.
Velocidade máxima: 57,5 km/h.

Uma fraca névoa encobria a paisagem quando chegamos ao entroncamento com a rodovia BR 116, por onde seguiríamos até a cidade de Pelotas para depois pedalarmos pela Rodovia da Produção (BR 392) em direção a Rio Grande. Estranhamente, nenhum movimento de veículos, nenhum carro ou mesmo os tão “temíveis” caminhões que diariamente transportam grande quantidade de cargas para o Porto de Rio Grande. O único espectador que encontramos nesse local foi um simpático cachorro que chegou a fazer pose para a fotografia. Sem qualquer dúvida, um Natal diferente.
Às margens da estrada a paisagem tornava-se interessante, bastante diferente do intenso movimento que imaginávamos encontrar naquela rodovia. Plantações, coxilhas, açudes com águas espelhadas devido à ausência de vento. Muitos ratões do banhado, garças e até colhereiros incrivelmente rosados nos fizeram companhia nesse pacato dia natalino. Pedalamos por várias retas “quase intermináveis”, parando à beira da estrada e em postos de gasolina para tomar água e iogurtes e comer amendoins, lingüiça e bolachas. Nossa dieta alimentar certamente faria qualquer nutricionista ter acessos de loucura para entender como pudemos continuar pedalando por um mês sem contarmos com um cardápio balanceado.
Passamos pela ponte sobre o Rio Camaquã, um largo rio com grandes bancos de areia que desemboca na Lagoa dos Patos (Laguna dos Patos, segundo os geógrafos) e, algum tempo depois, pela estrada de acesso a São Lourenço do Sul. Percorrendo aproximadamente 65 quilômetros, passamos pela periferia de Pelotas e paramos em uma central de informações turísticas. Como imaginávamos, esse tipo de serviço está voltado diretamente ao turista convencional, aquele que vai a Pelotas em busca de doces e não se importa em pagar por um confortável hotel. Resolvemos seguir até a Vila da Quinta, um vilarejo às margens da rodovia no caminho para Rio Grande. Seguindo ao largo de Pelotas, passamos pela grande ponte sobre o Canal de São Gonçalo, que liga as lagoas Mirim e dos Patos. A ponte atualmente permite o trânsito por apenas uma das duas enormes vias de rodagem em forma de arco que foram construídas, o que nos leva a refletir sobre o (mau) investimento nas obras faraônicas desse imenso país. Do alto dessa inacabada obra de engenharia uma grande planície se descortina até onde a vista alcança, tornando possível imaginarmos que um dia toda aquela extensão já havia sido tomada pelo oceano e agora, devido à baixa altitude e praticamente nenhuma declividade, proporciona a formação dos alagados que formam o Banhado do Taim.
A partir da ponte tomei a dianteira do grupo e pedalei em grande velocidade, distanciando-me e ganhando tempo para chegar antes na Vila da Quinta. Em Julho de 1995 eu já havia percorrido esse mesmo trajeto, parando do mesmo modo naquele local. Segui então ao posto da Brigada Militar e consegui espaço para montarmos acampamento. Poderíamos utilizar o banheiro e a cozinha para prepararmos o jantar. E foi o que fizemos: de banho tomado, preparamos sopa (entrada), massa sabor galinha caipira (prato principal) e um delicioso café com leite (sobremesa). Após esse excelente jantar baseado em carboidratos, conversamos com o policial de plantão para obtermos informações a respeito do trecho que teríamos pela frente. Uma região muito plana, com retas ainda maiores do que aquelas que já achávamos enormes! O que não imaginávamos era o forte temporal que nos aguardava enquanto seguíamos para o extremo sul do país...!

Quarto dia (26/12/00 – terça) – Vila da Quinta ao Taim.

Distância pedalada no dia: 88,18 km.
Distância total acumulada: 505,57 km.
Tempo pedalado: 4 h 03 min 04 s.
Velocidade média: 21,8 km/h.
Velocidade máxima: 35,5 km/h.

Despedimo-nos da guarnição do posto da Brigada Militar de Vila da Quinta e seguimos pela BR 471, agora diretamente para o sul. À medida que avançávamos pelas grandes e planas retas, ganhando latitude, mais próximos da entrada para um novo e desconhecido território estávamos. As poucas curvas que encontramos no caminho eram muito suaves, aumentando bastante a idéia de amplidão que a paisagem já nos transmitia. Uma leve brisa soprava em direção favorável, mas o dia estava extremamente quente. Jacson reclamava do cansaço e de pés doendo.
Paramos para descansar em um armazém de uma grande fazenda, onde as casas dos empregados eram todas iguais, com mesma cor e estilo. Nessa região do Rio Grande do Sul existem enormes plantações de arroz. Os mananciais de água provavelmente devam sofrer conseqüência direta dessa utilização, pois os herbicidas são aplicados em larga escala. Mas ninguém parece se preocupar com isso, deixando para as gerações futuras uma verdadeira bomba-relógio.
Após uma jornada extenuante sob o sol tórrido, que proporcionava uma miragem espetacular, chegamos à Vila do Taim. Bebemos todo o líquido possível em um pequeno armazém e, sob a orientação do curioso dono, fomos conhecer a Lagoa Mangueira. Pedalamos pelo Corredor das Corujas, estranho nome para um acesso de 500 metros até a lagoa. Encostamos as bicicletas carregadas à sombra de um quiosque abandonado e tratamos de nos refrigerar com um belo banho. A profundidade aumentava muito lentamente, de modo que pudemos caminhar por uma distância considerável lagoa adentro. Céu azul, sol forte e belos cúmulos no céu não prenunciavam nenhuma brusca mudança no clima. Ainda...
Após o revigorante banho empurramos as bicicletas pesadas pelo areal fofo e retornamos ao asfalto, seguindo até a sede da Estação Ecológica do Taim. Entramos e conversamos com um fiscal do Ibama que nos mostrou como a estação está localizada em meio ao banhado através de um mapa pintado em uma parede. Pudemos ter alguma noção da flora e da fauna locais através de fotografias dos exemplares mais significativos. Alguns deles pudemos observar logo em seguida, enquanto pedalávamos, como por exemplo as capivaras e as grandes garças. Em grande parte dos 15 quilômetros da reserva atravessados pelo asfalto há uma cerca de proteção impedindo o acesso dos animais à rodovia e alguns túneis servem como corredores de passagem entre um lado e outro da pista.Deixando a reserva para trás, tratamos de procurar um local para o acampamento. Em um pequeno aglomerado de casas tratamos de achar – não sem antes perambular um bocado antes de encontrar – o lugar onde passaríamos a noite. Coincidentemente ou não, acabamos optando por um acampamento ao lado de um posto de fiscalização do ICM, o que se revelou realmente importante algumas horas mais tarde. Acampamento montado, banho de mangueira tomado, panela com a tradicional massa já borbulhando. Durante o pôr-do-sol uma observação mais atenta já podia questionar as nuvens escuras que se aproximavam ao longe, no horizonte da direção sul. No início da noite os relâmpagos incessantes já eram facilmente perceptíveis e era apenas uma questão de tempo até que fôssemos tragados por um temporal de grandes proporções. Encolhidos dentro das barracas que estremeciam e pareciam ter vida própria, torcíamos para que não tivessem vocação para voar. Durante a noite chuva forte, raios e relâmpagos açoitaram incessantemente toda a região, como pudemos verificar nos dias subseqüentes: árvores inteiras chegaram a ser arrancadas do solo, deixando as raízes à mostra. Felizmente acampáramos na proteção da parede lateral do posto de fiscalização, amainando parcialmente a força titânica dos elementos.

1 comment:

Anonymous said...

Oiii
Não li tudo porque to morrendo de sono,mas,muito bonitas as fotos!!
Ti puxa ai no blog!
Beijão