Tuesday, September 04, 2012

Ilhabela: do Saco do Sombrio à Praia da Caveira


Acampamento no Saco do Sombrio
[Por favor clique nas imagens para ampliá-las]

Após uma noite inclinada na encosta de uma elevação no Saco do Sombrio, entre a Ponta do Meio e a Ponta da Chave, o vento descendo as encostas ao amanhecer trazia possibilidade de mudanças. Segundo a previsão de tempo passada pela Tiane por telefone no acampamento na Praia do Bonete, uma frente fria de fraca intensidade provavelmente chegaria. O céu estava limpo, com pouca nebulosidade, não havia indicação de mudança de tempo. Exceto pelo vento...



Estávamos em uma encosta abrigada dos ventos do quadrante Sul, mas era possível perceber que, mais adiante, além da proteção do Saco do Sombrio, rajadas passavam com velocidade sobre a superfície da água. Enquanto o Mestre Cuca Ipe preparava um delicioso café da manhã - verduras refogadas na frigideira acompanhadas por wrap (um pão fininho) e queijo -, conversávamos sobre o vento e sobre os lugares em que as rajadas descem as montanhas com velocidade espantosa, oferecendo risco real para as embarcações. Ipe tem uma bela vivência em condições de remada bem diferentes das brasileiras, já tendo passado temporadas no Alasca e na Patagônia; sempre é bom ouvir quem tem muito a nos contar, ainda mais apreciando uma bela paisagem...

Morro do Eixo (700 m) bem ao fundo


Nosso acampamento, na base da encosta.

Após o café da manhã chegou a hora de desmontar acampamento e guardar as tralhas. Também aproveitei para subir um pouco mais pela encosta, pois gostaria de ter uma visão melhor da paisagem. A vegetação bem fechada (capins de diversos tipos) dificultava o avanço e não deixava ver as pedras do caminho - aliás, que caminho?...
Nem cheguei a subir muito, mas a paisagem compensou mesmo assim:

Saco do Sombrio

A vontade seria subir mais e descobrir outros recantos nessa imensa ilha, ver algumas das trezentas cascatas e trilhar alguns caminhos. Mas isso ficaria para outra oportunidade. Estávamos em uma tentativa de circunavegação, com objetivo claramente definido e eu havia viajado mil e duzentos quilômetros para estar ali participando dessa remada. E estava na hora de ir.

Partindo para o terceiro dia de remada

Com todas as tralhas de volta aos caiaques, tratamos de ir para a água. Ipe foi o primeiro a descer a rampa de madeira improvisada, seguido por Danilo. Eu demorei um pouco mais, pois estava preparando o gps, excluindo as informações do dia anterior e inicializando o registro do percurso diário.
Já na água, mais uma vez olhamos para aquele mar maravilhosamente envolto pelo verde das encostas e pedimos simbolicamente por uma passagem segura.


Para evitar o vento, decidimos que a estratégia seria remar bem perto da costa, aproveitando para remarmos ziguezagueando por entre as pedras. Em inglês, essa prática chama-se "rock gardening".


Belas formações rochosas!

Rock Gardening



Ilhas das Galhetas à frente

Ao chegarmos na Ponta da Garoupa a costa modificava sua direção e passamos a remar contra o vento. Seguindo o mais próximo possível das pedras havia um pouco menos de exposição, facilitando o avanço. Em todo o caso, a distância não seria muito grande; logo estávamos remando completamente protegidos novamente.

Passando a Ponta da Garoupa

Pouco adiante enxergávamos a bela Praia da Figueira, onde faríamos uma parada:

Praia da Figueira


Danilo e Ipe chegando na Praia da Figueira

Praia da Figueira


Uhúúú!!!

Que água!!!

Realmente muito bonita a Praia da Figueira, com águas verde-azuladas... ou seria azuis-esverdeadas??? Que dilema :)
Após essa escala muito bem vinda, continuamos a remada seguindo bem próximos da costa.



Nos trechos mais expostos o vento continuava soprando forte; de um lado havia céu azul e sol, mas de outro as nuvens começavam a ser empurradas sobre as encostas da ilha. Era a mudança de tempo se anunciando. Na Ponta do Costão encontramos um pouquinho mais de ondulação e era muito legal observar as ondinhas batendo nas pedras.

Ponta do Costão

Da Ponta do Costão decidiu-se atravessar diretamente para a Ponta da Lagoa e assim deixamos de conhecer a praia Vermelha e a praia Mansa. Uma ótima desculpa para voltar para Ilhabela!!!

Atravessando para a Ponta da Lagoa

Ponta da Lagoa


Na Ponta da Lagoa também havia, de vez em quando, o espetáculo da espuma lançada por pequenas ondas no embate com o costão. Muito legal remar perto da costa nessas condições. Logo adiante estava a Praia dos Castelhanos, com a pequena Ilha da Lagoa em frente. Nome justificado, pois o mar estava mesmo uma lagoa, completamente calmo. Deve ficar bem diferente com vento e ondulação de Leste!

Praia dos Castelhanos com a Ilha da Lagoa à direita

Chegando em Castelhanos

Com condições tão boas, a aportagem em Castelhanos foi bem tranquila. Apesar do aumento da nebulosidade para os lados do Sul, o sol ainda dava o ar de sua graça.
Castelhanos é a maior praia do lado Leste da Ilhabela e tem acesso por estrada de chão. Eu imaginava aproveitar a oportunidade para colocar notebook e baterias para carregar, mas fiquei sabendo que a energia elétrica dependia de gerador, que só era ligado às cinco da tarde. Ipe estava levando consigo um pequeno painel solar conectado a um acumulador, mas somente uma GoPro poderia ser conectada de cada vez. Parece ser uma boa solução para as demandas de energia em locais com boa insolação.



O caiaque usado pelo Danilo estava apresentando problemas de entrada de água e ele teve uma surpresa desagradável chegando na praia. A carteira e o telefone estavam em uma caixa supostamente estanque, mas que ficou completamente alagada... um belo prejuízo... menos mal que eram apenas bens materiais, nada que fosse insubstituível, mas não precisava ter acontecido. Ficou como lição de aprendizado para todos nós: testar tudo antes de levar em uma viagem!


Aproveitando a estrutura da praia, almoçamos um belo prato feito, tomamos refrigerante - confesso que preferiria um bom suco, mas não havia - e comemos batatas fritas. Também aproveitei o telefone público e consegui entrar em contato com a Tiane, mandando notícias sobre a remada, sabendo sobre a previsão do tempo e, claro, matando um pouco das saudades. A escala também foi aproveitada pelo Danilo, que fez reparos no caiaque.
Quando voltamos para a água o céu já estava completamente nebuloso. Provavelmente remaríamos com chuvisqueiro por parte do tempo, o que me fez seguir o exemplo do Ipe e vestir a jaqueta. E lá fomos nós, atravessando a Baía de Castelhanos rumo à Ponta Cabeçuda!

De volta ao mar...
... atravessando a Baía de Castelhanos para a Ponta Cabeçuda

Estreita faixa de terra entre a Baía de Castelhanos e o Saco do Eustáquio

Antes de chegarmos à elevação que forma a Ponta Cabeçuda, Danilo decidiu verificar a viabilidade de uma portagem entre a Baía de Castelhanos e o Saco do Eustáquio, o que parecia perfeitamente viável observando-se a carta náutica. Ele no entanto não chegou a desembarcar, mas foi possível identificar o local pelas palmeiras justamente na região mais baixa. Quando estivéssemos no lado oposto talvez fosse possível identificar o local.

Passando por entre pedras perto da Ponta Cabeçuda

Seguindo novamente para a Ponta Cabeçuda, passamos a ficar naturalmente mais expostos à ondulação e foi possível remar entre algumas pedras, sempre possibilitando uma emoção adicional. Apesar do tempo nublado e de um chuvisqueiro muito fino e esparso, só perceptível em alguns momentos, comecei a passar calor remando de jaqueta. À medida em que começávamos a dobrar a ponta também passávamos a enxergar a Ilha de Búzios ao longe.

À frente, a Ponta Cabeçuda; ao longe, a Ilha de Búzios.

Ponta Cabeçuda


A partir da passagem pela Ponta Cabeçuda, novamente a água começou a encalmar. Não chegamos a realmente entrar no Saco do Eustáquio, seguindo um rumo aproximadamente direto para a Praia da Caveira, mas foi possível observar a estreita faixa de terra e as palmeiras, agora pelo outro lado:

Saco do Eustáquio - e, no zoom da máquina fotográfica (foto abaixo)...
... a estreita faixa de terra entre o Saco do Eustáquio e a Baía de Castelhanos, agora vista pelo outro lado.

Passamos ainda bem ao largo de uma pequena praia (cujo nome não descobri) também no fundo do Saco do Eustáquio e infelizmente longe da Praia da Guamixama - também encontrei referências ao nome Guanxuma -, que me pareceu um local bem interessante para uma visita.

Pequena praia cujo nome desconheço

Praia da Guamixama

Ao abrigo do vento estava realmente quente e volta e meia eu jogava água sobre a cabeça para me refrescar. Quase chegando na Praia da Caveira, pensei em ir para a água; quem sabe se tentasse fazer um rolamento?

Quase chegando na Praia da Caveira

Foi somente esse ano que efetivamente me empenhei em aprender rolamento, a técnica que foi desenvolvida pelos inuit (popularmente conhecidos como esquimós) para desvirar o caiaque emborcado sem sair de dentro dele. O que para os inuit era uma questão de sobrevivência nas águas geladas do Ártico, para nós pode ser uma demonstração de destreza, um exercício de habilidade, uma técnica para retornar à posição "normal" após um capotamento involuntário ou mesmo um símbolo de status informalmente estabelecido - e desnecessariamente estabelecido, na minha opinião - entre os remadores, classificando-os entre o "que sabem" e os "que não sabem" rolar. Divagações filosóficas e éticas à parte, eu nunca havia tentado fazer um rolamento com o caiaque carregado e ali seria uma ótima oportunidade. Água calma e limpa, proximidade da praia e apoio dos companheiros de remada em caso de alguma eventualidade. Lá fui eu para a água!

Tentativa de rolamento...
... infrutífera...

Acabei me afobando e fazendo a varredura para rolar muito antes do que deveria e não tive sucesso. Percebi também que o caiaque carregado, se por um lado facilita as coisas por estar mais "enterrado" na água, por outro lado dificulta por ter mais inércia. Ou seja, faltou calma. Ao menos a água estava uma delícia!!!

Reembarque assistido

Ipe chegou para me ajudar e primeiro tentou deslizar a proa do meu caiaque sobre o dele, para esvaziá-lo; desistiu, pois meu caiaque estava carregado e ainda cheio d'água, dificultando um pouco as coisas. Na ocasião brinquei, dizendo que queria ver se "na prática" o método de esvaziar o caiaque funcionaria, mas hoje acho que realmente deveria ter aproveitado a ocasião para treinar. De qualquer forma, mesmo com o caiaque cheio d'água, fiz o reembarque com a assistência do Ipe e assim fomos para a praia. Eu deveria ter esvaziado o caiaque com a bomba d'água, mas a praia estava tão perto e o desembarque tão fácil que nem me dei ao trabalho de fazer isso. Mas deveria ter aproveitado a oportunidade para treinar.

Chegando na Caveira

Danilo chegando

Mesmo com tempo nublado a primeira impressão da Praia da Caveira foi uma bela impressão. No seu canto direito havia um riacho formando uma piscina de água limpa, muito convidativa para um banho depois de montar acampamento. Desviando o olhar para o lado oposto, uma praia não muito extensa com faixa de areia terminando em belas árvores, local perfeito para um acampamento. Além dessas primeiras árvores, mata atlântica a perder de vista subindo as encostas dos morros. Infelizmente nem tudo era perfeito: olhando para o chão, lixo deixado por outros campistas e mais lixo trazido pelo mar.

A bela Praia da Caveira


O acampamento foi montado e dessa vez tratei de contratar o melhor serviço de terraplenagem que o meu dinheiro podia pagar: primeiro com o próprio remo reserva e depois com a pá trazida pelo Ipe, preparei uma plataforma perfeitamente horizontal para minha barraca. Nessa noite, nada de ficar escorregando para o canto!

Acampamento

O banho de riacho estava ótimo e aproveitei para passar uma água limpa sobre o pequeno ferimento provocado pelo prego do Saco do Sombrio. Nesse banho constatei que estranhamente a água do fundo estava bem mais quente do que a água da superfície. Como pode acontecer tal inversão térmica, se a água quente é menos densa e tende a fluir para a superfície, assim como ocorrem as correntes de convecção dentro de uma geladeira? Fiquei intrigado com esse pequeno mistério, imaginando se não estaria sobre um hotspot geotérmico...


Misteriosamente boa também ficou a janta, mais uma vez preparada pelo Ipe, eleito cozinheiro chefe da remada - essa parte é brincadeira, mas com certeza se houvesse uma eleição a escolha seria unânime! Jantamos uma massa com brócolis, couve-flor e cenoura que estava tão boa que nem precisou de queijo!!!
Depois da janta ficamos jogando um pouco de conversa fora e na hora de ir para a barraca estava chuviscando...
Encerrei os trabalhos do dia terminando o diário às oito e meia da noite... perfeitamente na horizontal!

:)

Informações disponibilizadas pelo gps:

Distância remada: 20,34 km;
Tempo remado: 3 h 57 min;
Velocidade média: 5,1 km/h;
Velocidade máxima: 12,1 km/h;
Tempo parado: 2 h 56 min;
Velocidade média geral: 3,0 km/h.

Distância remada acumulada (em três dias): 72,34 km.

 [Trajetos e legendas sobre imagem do Google Earth]
Primeiro (em vermelho), segundo (em amarelo) e terceiro (em verde) dias de remada

 [Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
Percurso remado no terceiro dia

 [Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
Percurso do acampamento no Saco do Sombrio à Ponta do Costão

 [Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
Percurso da Ponta do Costão à Praia dos Castelhanos

 [Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
 Castelhanos e arredores

 [Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
Percurso de Castelhanos à Caveira

[Trajeto e legendas sobre imagem do Google Earth]
Percurso da Ponta Cabeçuda à Praia da Caveira

3 comments:

Luciano Duarte said...

Maravilha Esch! Belas fotos, novamente, com ótimo texto!

Trilhe said...

Muito legal a aventura de vocês!

Acredito que a praia seja "Prainha da Cabeçuda"

Veja neste link, é muito confiável

http://www.viagensecologicas.com.br/ilhabela/mapas#1#

Leonardo Esch said...

Olá Bruna! Bem legal esse link, acho que é a Prainha da Cabeçuda mesmo! Obrigado por compartilhar e por gostar do blog! Seja bem vinda e sinta-se à vontade para participar!