Sunday, December 31, 2006

De bicicleta pelo Cone Sul - quarto capítulo


O Parque Santa Teresa conta com 3000 hectares e mais de dois milhões de árvores da flora uruguaia e de espécies exóticas. É um local espetacular, bem cuidado e limpo, onde se pode acampar com toda a comodidade. Médico, dentista, telefonia, supermercado, padaria, chuveiros com água quente, tudo isto dentro de um parque. A área destinada ao camping conta com lotes preestabelecidos e nas proximidades de cada um há lixeiras. Mais de 60 quilômetros de trilhas para caminhadas. Tudo muito organizado e limpo, convidando quem uma vez lá esteve a retornar. Além de tudo o que já foi dito, praias: Praia e Punta de la Moza, Praia de las Achiras, Punta Cerro Chato, Praia e Punta del Barco, Praia Grande.
Após visitarmos demoradamente a Fortaleza de Santa Teresa, andando por suas muralhas e conhecendo as suas edificações (“polvorín, capilla, museo com maquetas de las distintas fortalezas del Uruguay”), resolvemos conhecer e ficar no camping do Parque Santa Teresa. Escolhemos um belo local para as duas barracas com vista para o mar: ao norte, Praia de la Moza e ao sul, Praia de las Achiras. No lado oeste, a fortaleza, onde retornei no final da tarde para observar o entardecer. Algumas nuvens encobriram o horizonte mas a bela paisagem vale qualquer visita. A fortaleza está sobre uma elevação – o que é bastante raro nessa parte do Uruguai, pois tudo é plano – e domina as grandes extensões de terra ao seu redor. Hoje algumas vacas pastam tranqüilamente onde há pouco tempo soldados matavam e morriam pelo domínio do local.
À noite tomamos um bom banho (quente), fizemos compras no supermercado do camping e preparamos uma bela janta tendo o delicioso iogurte uruguaio por sobremesa. Telefonamos para casa, matando um pouco das saudades que já se faziam sentir e fomos dormir, descansando para a jornada do dia seguinte.

Sétimo dia (29/12/00 – sexta) – Fortaleza de Santa Teresa a La Paloma.

Acordamos bem cedo, devido à diferença de horário – no Uruguai, estávamos com uma hora de atraso em relação ao Brasil. O dia amanheceu muito bonito e, pouco tempo depois, uma névoa cobriu toda a região.

Distância pedalada no dia: 114,89 km.
Distância total acumulada: 819,85 km.
Tempo pedalado: 4 h 41 min 55 s.
Velocidade média: 24,4 km/h.
Velocidade máxima: 57,0 km/h.

Pouco antes da saída percebi que o pneu traseiro de minha bicicleta estava completamente murcho. Provavelmente deveria ser um furo provocado pela batida da roda em uma pedra (tipo de furo conhecido como “snake bit” ou mordida de cobra, pois apresenta-se como furos minúsculos). Desmontando a roda e retirando o pneu e a câmara, tivemos que encher o pneu e colocá-lo dentro de um balde com água para descobrir onde estava furado. Tudo isso soa muito fácil, mas “colocá-lo dentro de um balde” implica em várias coisas com as quais o leitor pode não estar familiarizado. Em primeiro lugar foi preciso conseguir um balde, pois aquela hora da manhã todos ainda dormiam. Encontrando funcionárias da limpeza, precisávamos nos fazer entender: “afinal, como é que se chama balde em espanhol???”
Conserto pronto, saímos com tempo nublado e ameaça de chuva – que não se concretizou. Continuamos a pedalar pela Ruta 9 até o acesso (Ruta 16) para Aguas Dulces, onde paramos em um posto de informações turísticas. Continuando a pedalar, passamos por toda a extensão da Laguna Negra e chegamos à Ruta 10, seguindo novamente paralelamente ao litoral. Nessa rodovia a pavimentação estava bastante remendada e com alguns buracos, o que nos chamou a atenção, pois até aquele momento havíamos pedalado pelas boas estradas uruguaias. Duas bicicletas, de Egon e Jacson, do tipo “mountain bike”, passavam tranqüilamente por todo o tipo de terreno, afinal haviam sido projetadas e construídas para isso (mas não para o excesso de peso de todo o nosso material), enquanto a minha, do tipo “speed”, com pneus bem finos, adequava-se muito bem para grande velocidade em asfalto de boa qualidade, mas sofria com pistas mal conservadas.
Paramos às margens do Rio Valizas, região na qual existem árvores centenárias chamadas Los Ombúes. Para conhecê-las teríamos que pagar um passeio de barco, o que decidimos não fazer. Enquanto descansávamos, dois senhores de uma emissora de televisão (Canal 2) vieram nos entrevistar, pois casualmente estavam naquele local fazendo uma matéria sobre a região. Em um portunhol já razoável conseguimos nos fazer entender.
Com o tempo ameaçando chover seguimos viagem e decidimos deixar para trás a região do Cabo Polonio, que inicialmente gostaríamos de visitar. O acesso ao litoral existe somente através de empresas que transportam turistas por meio de “caminhões-gaiola” especialmente preparados para o trânsito sobre as dunas de areia fofa. Pedalamos por mais difíceis 45 quilômetros de estrada precária que, aliada ao vento contrário, dificultava o bom andamento. Mesmo nesses momentos um pouco menos agradáveis sempre encontrávamos algo para nos distrair ou alegrar, como um filhote de tatu zanzando à beira da rodovia ou uma ema passeando pelo campo. Encontramos também vestígios do que poderia ter sido uma árvore petrificada.
Passamos pelo acesso a várias praias como La Pedrera, Antoniopolis, Costa Azul e La Aguada. Chegando em La Paloma, encontramos facilmente o Albergue da Juventude Altena 5000, local onde passaríamos a noite. Um belo local, dentro do Parque Andresito. Apresentamos nossas carteirinhas de alberguista, pagamos a diária de aproximadamente 7 dólares e fomos arrumar o material, levar a roupa suja para lavanderia e ver os nossos beliches. Sem perder muito tempo, caminhamos ao centro da cidade e lá encontramos outro alberguista que também estava em um mercado à procura de um lanche. Enquanto nós tomávamos suco e iogurte, Mirko apreciava pão, queijo e uma garrafa de um litro de cerveja. Encostados em uma mureta, começamos a lanchar. Apareceu outro sujeito peculiar que também era da Europa e o assunto da conversa descambou para as bebidas. Segundo ele, a cerveja brasileira era boa, porque “é bem fraquinha, dá para tomar litros e litros”.
Bebidas à parte, despedimo-nos do amigo das cervejarias e fomos passear pelas ruas de La Paloma. A cidade está situada em uma ponta rochosa do Cabo de Santa Maria e se constitui no principal centro turístico de Rocha. No passado a enorme quantidade de naufrágios provocada pela inexistência de sinalização daquela perigosa região recheada de pedras determinou a construção, em 1874, do “Faro de La Paloma”. Durante a obra aconteceu uma forte tormenta que provocou um acidente e matou 17 operários. Eles foram enterrados no cemitério – na verdade, um monumento – bem ao lado do farol.
Antes de retornarmos ao albergue passamos em uma oficina de bicicletas e combinamos que no dia seguinte levaríamos, bem cedo, as bicicletas para alguns reparos. Voltamos para o Albergue Altena 5000 e ficamos conversando com Mirko até a hora do suculento jantar, que foi caprichado: chuleta, papas fritas, ovo frito e cerveja “de litro”. Conhecemos também a Delphine, uma francesa que estava viajando seis meses pela América do Sul. A conversa tornou-se internacional, regada a cerveja e chimarrão, em portunhol, alemão e inglês. Ganhamos novos amigos, que assim registraram suas impressões no diário de viagem:

“Ich konnte es nicht glauben, als ich von dem doch sehr verrückten Vorhaben hatte, mit dem Fahrrad quer durch Süd-Amerika zu fahren. Es war ein sehr schöner Abend, der wiedermal gezeigt hat, dass die Welt zusammenrückt und wieviel man voneinder lernen kann. Ich wünsche auch viel Glück und drücke die Daumen für die Tour, die Zukunft und für alle persönlichen und beruflichen Herausforderungen.
Alles gute – Mirko aus Deutschland.”

Tradução: “Custou-me acreditar no propósito descabido (arrojado) de cruzar de bicicleta a América do Sul. Foi uma noite aprazível em que mais uma vez ficou caracterizado o quanto o mundo encolheu e o quanto podemos aprender uns com os outros. Desejo boa sorte e torço pela viagem, pelo futuro e por todos os próximos desafios, pessoais e profissionais.
Tudo de bom – Mirko da Alemanha.”

“Trois brésiliens, des bicyclettes et un plan organisé comme jamais vu. Un beau voyage en perspective je vous envie beaucoup. J’espère que les montagnes ne seront pas trop difficile à grimper et que tous vos rèver qui accompagnent ce voyage seront réalises. Tudo bom.
Bonne chance et bom vent.
Delphine”

Tradução: “Três brasileiros, suas bicicletas e um plano organizado como jamais vi. Eu vos desejo muito uma boa expectativa de viagem. Espero que a escalada das montanhas não seja muito difícil e que todos os sonhos que acompanham a sua viagem sejam realizados. ‘Todo bom’.
Boa sorte e bom vento.
Delphine”

1 comment:

Danusa Lazzari said...

Olá Leonardo! Sou Danusa, do RS. Gostei muito de ler teus relatos, que viagem interessante. Me ajudou muito também, pois foi o unico lugar que encontrei o nome de um albergue em La Paloma. Estou indo pra lá em Janeiro. Sucesso nas tuas andanças (ou bicicletanças hehe).
Abraço.