Saturday, March 31, 2007

De bicicleta pelo Cone Sul - décimo nono capítulo




Vigésimo nono dia (20/01/01 – sábado) – Los Andes a Viña del Mar

Distância pedalada no dia: 134,41 km.
Distância total acumulada: 2875,80 km.
Tempo pedalado: 6 h 05 min 22 s.
Velocidade média: 22 km/h.
Velocidade máxima: 50 km/h.

Levantamos acampamento e, sem tomar café, pedalamos ao centro da cidade de Los Andes. Pretendíamos seguir ainda nesse dia até o Oceano Pacífico e, para isso, precisaríamos pedalar mais de 130 quilômetros. A vantagem – ao menos era o que pensávamos – seria poder descer dos 820 metros de altitude de Los Andes até o nível do mar. Mas, como percebemos mais uma vez, mesmo uma pedalada na descida pode ser difícil quando enfrentamos vento contrário.
No centro da cidade Jacson parou em uma oficina de bicicletas para trocar os pedais e apertar a caixa central da bicicleta. Aproveitamos a pausa forçada para tomarmos várias xícaras de café e comermos um delicioso pão com dulce de leche. Quando a bicicleta de Jacson ficou pronta passamos em uma casa de câmbio onde a curiosidade foi a quantidade de notas que recebemos. Um dólar estava cotado a 564 pesos chilenos!!! Feito isso, chegou a hora de nos despedirmos de nosso amigo Fabrice; depois de tantos quilômetros nos acompanhando, faria falta a sua companhia sempre alegre e bem disposta – sem mencionar o alarme da bicicleta, que de vez em quando insistia em tocar no meio da pedalada! Fabrice seguiria pelo caminho mais curto a Santiago, pois precisaria agilizar o visto e a passagem de avião para sua próxima etapa na Volta ao Mundo: a China. Talvez voltássemos a encontrá-lo na capital chilena, dependendo da burocracia que ele encontrasse por lá. Como o nosso objetivo era muito mais modesto, tomamos a estrada rumo ao oceano.
O diário de viagem registra que a estrada estava bastante remendada e seguia entre árvores, plantações de frutas e vilarejos que pareciam ser muito antigos. Várias construções eram de barro com capim. O vento aumentou bastante, sempre contrário. Começamos a nos separar. Eu seguia na frente, depois vinha o pai e por último o Jacson. Parei em um armazém na entrada de Llay-Llay para comprar iogurte. Pouco depois o pai chegou e tomou outro. Algum tempo depois chegou Jacson.
Voltando a pedalar, o pai e eu seguimos juntos e o Jacson ficou para trás. Entramos em uma auto-estrada (autopista) e pedalamos bastante para vencer o vento contrário. Passamos por um túnel [Tunel La Calavera] e paramos no meio da tarde em frente ao Lomito, um restaurante semelhante ao Mac Donalds. Comprei fritas, suco e chocolate e almoçamos na beira da estrada, esperando o Jacson. Mas ele não chegou e resolvemos continuar a viagem. Subidas e descidas se alternavam e cansamos bastante por causa do vento forte. Na entrada de Viña del Mar paramos em um posto para tomar suco de laranja.
O litoral chileno é formado, nessa região, pela Cordilheira Litorânea. Para chegar ao Oceano Pacífico precisamos descer a Cordilheira dos Andes, passar por uma região plana (Vale Central), subir novamente (Cordilheira Litorânea) e, finalmente, descer até o mar. Então descemos bastante até chegar ao centro de Viña del Mar, uma praia movimentadíssima com trânsito caótico. Paramos para ver o Oceano Pacífico.
Havíamos chegado ao outro lado do continente. Não estávamos eufóricos nem choramos de emoção. Apenas ficamos orgulhosos de podermos percorrer uma distância tão grande com nosso próprio esforço. A praia possuía arrebentação formada por apenas uma onda bastante forte que, quando se formava, levantava uma parede d’água esverdeada. Ficamos algum tempo observando esse espetáculo.
No calçadão da praia circulavam milhares de pessoas. Seria praticamente impossível encontrar nosso companheiro de viagem. Com o dia findando, tratamos de procurar um local para ficarmos. Paramos em um centro de informações turísticas onde fomos muito bem atendidos. Todos os hotéis e pousadas estavam lotados – especialmente aqueles que procurávamos, bons e baratos – e seria difícil conseguir uma acomodação. Graças à boa vontade de uma funcionária, conseguimos encontrar uma pensão familiar bem na área central da cidade.
Transportamos as bicicletas escada acima e colocamos em um quarto com seis camas (três beliches). Fui tomar banho – finalmente um banho quente, com bastante água! [no camping de Los Andes havíamos tomado banho frio] – e escovar os dentes. Quando o pai foi tomar banho eu saí para ver a avenida. Uma multidão olhava lojas, vendedores ambulantes e artistas de todos os tipos. Estátuas vivas, tocadores de violão, gaita de boca, dançarinos, equilibristas e até um tocador de gaita-de-foles.
Voltando ao apartamento, registrei que o contraste com a rua era grande: o prédio e os cômodos são antigos, assim como a senhora que nos atendeu. É silencioso e até um pouco escuro à noite.
Saindo novamente, jantamos “pollo com agregado” (frango e salada) e tomamos suco de laranja. Na volta pudemos assistir a um incrível espetáculo de palhaços de rua: enquanto dois brincavam fazendo malabarismos com fogo, outros tocavam – excelentemente – saxofone, baixo e bateria. Ao final do espetáculo fomos dormir. Despenquei em meu beliche e adormeci imediatamente.

Trigésimo dia (21/01/01 – domingo) – Viña del Mar

Distância pedalada no dia: -
Distância total acumulada: 2875,80 km.

Aproveitamos o domingo para passearmos na cidade de Valparaíso, vizinha de Viña del Mar. Passamos em uma central de informações, tomamos um trem e descemos em frente ao porto, onde estava atracado um imenso e luxuoso navio de cruzeiro. Situada a 120 km de Santiago, Valparaíso é o primeiro porto comercial do Chile e, curiosamente, é uma cidade que nunca foi fundada, mas nasceu espontaneamente em 1536, após a chegada do espanhol Juan de Saavedra. Sua população beira os 300.000 habitantes.
Como a cidade é cercada por 45 morros escarpados, começamos a subir, passando por ruelas estreitas e cheias de esquinas abruptas. Paramos no Café Turri, situado no Cerro Concepción, onde almoçamos com uma excelente vista para o oceano. A geografia da cidade proporcionou o desenvolvimento de um meio de transporte inusitado: os ascensores. Pequenas cabines de madeira rebocadas por cabos de aço, os ascensores deslizam por trilhos nas íngremes encostas dos cerros. Nas proximidades do Café Turri aproveitamos para andar no Ascensor Concepcion, o mais antigo de Valparaíso. O friozinho na barriga foi inevitável...
Tomando o trem de volta a Viña del Mar, aproveitamos a tarde para visitar a Feria de Artesania e uma feira de livros. No final da tarde segui a pé até o mall (shopping) e encontrei os guias de viagem sobre o Chile. Na fase de preparação do projeto a bibliografia havia sido escassa e, pensando na próxima etapa da viagem (Patagônia Chilena), resolvi procurar guias e mapas. Na volta para o residencial pude observar o entardecer sobre o Pacífico.
Trigésimo primeiro dia (22/01/01 – segunda) – Viña del Mar a Santiago do Chile

Distância pedalada no dia: 121,73 km.
Distância total acumulada: 2997,53 km.
Tempo pedalado: 5 h 39 min 19 s.
Velocidade média: 21,5 km/h.
Velocidade máxima: 66,0 km/h.

Saímos de Viña del Mar no início da manhã. Atravessamos trilhos de trem e iniciamos uma lenta subida, percorrendo e ultrapassando a Cordilheira Litorânea. Passamos por pequenos vilarejos e por regiões com grandes extensões de videiras onde são produzidos os bons vinhos chilenos, como o Concha y Toro. Pedalávamos entre dois, esperando encontrar nosso companheiro de viagem na capital chilena.
Nesse dia de pedalada passamos pelos últimos dois túneis da viagem: Tunel Zapata e Tunel Lo Prado. Pouco antes do primeiro passamos pelo Valle de Casablanca, que impressiona pela profunda modificação causada na paisagem árida pelas plantações de videiras. Passando pelo Tunel Zapata (1.300 metros de comprimento), que ficava na metade do caminho para Santiago, pedalamos até o Tunel Lo Prado (2.800 metros de comprimento), onde fomos parados e uma grande fila de caminhões e automóveis começou a se formar. Um caminhão havia estragado no interior do túnel, deixando somente uma via liberada para passagem. Não poderíamos seguir pedalando, precisávamos colocar as bicicletas em cima de uma pequena viatura de transporte. Sem outra opção, carregamos as bicicletas e os alforjes e esperamos nossa vez. Pouco depois do túnel entramos na zona urbanizada dos arredores de Santiago. Conseguimos nos orientar bem e seguimos diretamente para o Hostelling International Santiago. Na chegada encontramos Jacson e ficamos sabendo que Fabrice também estaria no mesmo albergue. Reencontramos nossos companheiros de viagem!

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