Thursday, March 01, 2007

De bicicleta pelo Cone Sul - décimo terceiro capítulo




No final de nossa terceira semana de viagem estávamos às portas da Cordilheira dos Andes, entrando na província de Mendoza (Argentina). A aridez do solo, a vegetação espinhenta e a paisagem inóspita nos faziam pensar que não seria muito bom ter problemas naquele lugar, longe de qualquer auxílio.
O dia quente e ensolarado estimulava a pedalada. Chegando na pequena cidade de La Paz, não encontramos nenhum local para pernoitarmos que oferecesse a possibilidade de banho. Resolvemos seguir adiante, pedalando mais 36 quilômetros até a localidade de La Dormida – ao menos o nome era convidativo! Acampamos nas proximidades de um posto de gasolina YPF. Após o banho e a janta, preparada com comida que havíamos comprado ainda em San Luís, a principal tarefa era anotar os principais acontecimentos no diário. Feito isto, resolvi pedalar cerca de um quilômetro até o centro do vilarejo, pois não estava com vontade de dormir (ao contrário dos demais companheiros de viagem, que já ressonavam). Acabei conhecendo uma festa típica local, a “Fiesta de la Cueca Y el Damasco”. Não, não se tratava de nenhuma festa onde as pessoas deveriam comparecer somente com as roupas de baixo. Tratava-se de uma confraternização popular com música e dança típicas. Como uma bicicleta carregada com bagagens não poderia passar despercebida, acabei sofrendo o interrogatório de Nidia, Soledad, Daniela, Flavia, Jorgelina e Laura, estudantes que queriam saber tudo sobre o Brasil e acabaram descobrindo a existência de uma cidade chamada Nova Petrópolis, a mais de dois mil quilômetros dali.

Vigésimo segundo dia (13/01/01 – sábado) – La Dormida a Mendoza

Distância pedalada no dia: 104,72 km.
Distância total acumulada: 2458,08 km.
Tempo pedalado: 3 h 56 min 40 s.
Velocidade média: 26,5 km/h.
Velocidade máxima: 40,0 km/h.

Acordamos já com sol e céu azul, um dia muito bonito. Não havia vento. Tomamos chimarrão, arrumamos o material e comemos alguma coisa (banana, bolachas) para “café da manhã”. Ao saírmos havia uma brisa fraca soprando favoravelmente. Foi aumentando ao longo do dia. A velocidade da viagem foi uma das maiores até agora, pois as condições estavam ideais. Por volta dos 30 km paramos em um posto de gasolina para tomar iogurte e Gatorade. A pedalada continuou em ritmo forte e a paisagem mudou completamente se comparada ao dia anterior. O deserto deu lugar a plantações de duraznos [pêssegos], ciruelas [ameixas], oliveiras, uvas. Havia plantações muito bem organizadas. Paramos em uma tenda para comer melancia e descansar um pouco. O sol estava quente ao abrigo do vento. Continuando viagem, passamos pelo rio Mendoza, com pouca água (e barrenta). Passamos por uma zona industrial feia e com bastante lixo à margem da rodovia. Entrando em Mendoza, porém, fomos refrescados pela sombra das largas ruas arborizadas.
Como relatado no diário, pedalávamos em um típico dia de bom tempo, já sofrendo os efeitos da presença da ainda invisível cordilheira. As nuvens de chuva, barradas pelas montanhas, não chegariam com facilidade àquele local. Como explicar então a presença de uma cidade muito bem arborizada e as plantações de frutas em meio à paisagem desértica? Toda a fartura que encontrávamos se devia unicamente à água de degelo que, canalizada desde as montanhas, servia para irrigar as culturas. Passando por canaletas – chamadas acequias – dentro da cidade, propiciava o crescimento das frondosas árvores que agora nos protegiam com sua sombra.
Mendoza, fundada em 1561, situada a 761 metros acima do nível do mar, ao pé da Cordilheira dos Andes. Com uma população de aproximadamente 880.000 habitantes (a quarta maior cidade da Argentina), destaca-se como um dos centros regionais administrativos e comerciais mais importantes. Se comparada com a aridez do restante do Pampa, poderia ser considerada um oásis com parques, cafés à sombra das árvores nas calçadas, farta gastronomia e deliciosos vinhos. Apesar de seu tamanho, a violência urbana não chega a ser um problema tão grande quanto o risco de se cair em uma canaleta depois de beber um pouco mais do que devia...!
Rapidamente encontramos um serviço de informações turísticas muito bem localizado e com excelente atendimento. Dentre as várias opções que se encaixavam no nosso orçamento restrito, escolhemos o Albergue da Juventude Campo Base. Poucas quadras adiante já nos inscrevíamos e, depois de pagar oito pesos, tratamos de acomodar as bicicletas e todo o equipamento que transportávamos. O albergue estava lotado de viajantes de todo o mundo, a grande maioria indo ou voltando do Monte Aconcágua, a grande atração da região. Mochilas, cordas e equipamento de escalada estavam em toda a parte. Depois de um bom banho fomos passear a pé pelo centro da cidade. Almoçamos “milanesa con papas fritas” e tomamos suco de laranja em um simpático restaurante com mesas na calçada. Deixamos espaço para tomarmos um excelente “helado” (sorvete) e fomos procurar um provedor de internet. Fabrice nos mostrou a página de sua volta ao mundo – tdmfabrice.free.fr – muito bem feita, por sinal. Nem sabíamos, mas em breve também estaríamos nela!
À noite passeamos pela Plaza Independencia, no centro. Havia música, chafariz iluminado, artistas, feira de artesanato e muita gente nas ruas. Caminhamos mais um pouco e tomamos mais um delicioso “helado” antes de voltarmos ao albergue. Enquanto eu atualizava o diário, holandeses, argentinos, ingleses e austríacos conversavam – os sotaques eram os mais diversos! Conversando com um guia de montanha austríaco que havia levado holandeses para escalar o Aconcágua, descobri que a montanha mais alta do mundo fora do Himalaia (Ásia) pode ser realmente fria: 30 graus negativos! O austríaco, acostumado com as montanhas, respondeu olhando para o vazio quando perguntei a respeito: “frio, muito frio...”
O dia seguinte estava reservado para preenchermos as formalidades de ingresso no Parque Provincial Aconcágua. Fomos ao prédio da Subsecretaria de Turismo, preenchemos fichas de inscrição e pagamos a taxa de 20 dólares que nos daria direito a realizar o “trekking corto” de três dias pelo parque. Resolvemos conhecer o Cerro de La Gloria, esperando finalmente enxergarmos a cordilheira. Depois de uma verdadeira odisséia em busca do ônibus certo, chegamos ao tal cerro de injustificada fama. A visita realmente não valeu a pena. Voltando ao centro da cidade, o que salvou o dia foi uma visita ao terraço do prédio da Municipalidad (Prefeitura), onde pudemos ter uma bela visão da cidade e da pré-cordilheira.
À noite jantamos frango assado, queijo e pão, comemorando o fato de que, no dia seguinte, finalmente entraríamos na tão esperada Cordilheira dos Andes!!! Alguns montanhistas do albergue, vendo as bicicletas carregadas, achavam que não conseguiríamos pedalar pela cordilheira – teríamos que empurrar. Nós, ao contrário, apesar de não conhecermos a estrada (nem a subida) e os efeitos da altitude em nosso organismo, acreditávamos em nossa capacidade. No dia seguinte saberíamos...

1 comment:

Anonymous said...

Olá Leonardo,
Cara curti seu blog, já tinha entrado para dar uma olhada, e depois comecei a ler, é muito pedal hein? Admiro muito bike, e achei tua viagem e as histórias muito legais.
Parabens também, e estou esperando o restante.

Felicidades e boas viagens.

Leonardo Juliano
São Paulo - SP