Saturday, November 08, 2008

Caminhada no Litoral Sul - 28/10/08

Chuí, terça-feira. Custei a encontrar um lugar onde pudesse toma café. A maioria do comércio estava fechada. A mochila ficou extrememente pesada, com comida para dez dias e algumas tralhas da bicicleta que não puderam ser enviadas para Rio Grande. Fui à rodoviária esperar o ônibus das 10 h 30 min que me levaria à barra do Arroio Chuí.
Cheguei aos molhes, fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Fiz um lanche com frutas.
Comecei a caminhar pouco antes do meio-dia. Em apenas meia hora de caminhada percebi que teria bolhas, apesar da estratégia de utilizar duas meias (uma fina, em contato com o pé, e outra mais grossa em contato com o calçado). Além de não caminhar seriamente há bastante tempo, estava com peso em excesso. O vento nordeste dificultava o avanço.
Em Hermenegildo passei por várias construções atingidas pelas ondas em dias de ressaca. O preço a ser pago pela destruição completa das dunas costeiras será amargo...
Na praia, muitos sinais da degradação humana: lixo e pingüins, toninhas, aves, peixes, tartarugas... todos mortos. O litoral sul é muito belo, mas diariamente enfrenta uma agressão maior do que pode suportar.
Eu me sentia cansado, física e mentalmente esgotado, além de extrememente solitário. Estava repensando seriamente a possibilidade de dar meia-volta e desistir da caminhada. Em uma casinha no meio das dunas ganhei "água da chuva" de um morador. Não era exatamente límpida e cristalina, mas era o que havia. Também recebi a informação de que "adiante" havia mais um grupo de casas onde eu poderia acampar e receber água. Incrivelmente, água seria o componente crucial nessa caminhada. Há dez anos atrás, na caminhada por todo o litoral gaúcho, havíamos coletado água dos riachos que desaguavam no mar. Um pouco escura, mas potável. Dessa vez, em todo o trajeto por onde eu havia passado de bicicleta encontrava plantações de cebola e agricultores aplicando defensivos agrícolas que certamente escoariam para algum lugar, muito provavelmente para os riachos onde eu pretendia me abastecer.
No final de tarde, quando já procurava o aglomerado de casinhas que havia sido descrito pelo pescador que me oferecera água, vi uma tartaruga grande virada de dorso para baixo, se debatendo. Larguei a mochila no chão e corri para tentar ajudá-la. Com alguma dificuldade (por causa do seu peso) consegui desvirá-la. As ondas chegavam até ela mas ela não conseguia reagir, talvez por ter permanecido tempo demais naquela posição. Consegui arrastá-la o mais para perto da água que pude quando as ondas recuaram e esperei que ela pudesse avançar dentro d´água. As ondas vieram e ela continuou se debatendo. Dava para imaginar o seu sofrimento, foi muito triste para mim. Outras ondas chegaram e não a vi mais. Chorei, cansado e chateado, sentindo-me a mais impotente das criaturas. Já não tinha mais o principal elemento para continuar: vontade.
Encontrei o grupo de casas de pescadores, mas ninguém por perto. Procurei água e encontrei em uma das cabanas uma caixa d´água com canos e um registro por onde teria acesso à água. Resolvi acampar por lá, debaixo de um telhado que protegia bastante do vento. Preparei uma janta à base de massa e café com leite, mas não tinha fome. Através do gps confirmei que havia caminhado 27,5 km desde a Barra do Chuí, de onde havia saído ao meio-dia.
Decidi que minha caminhada terminaria por ali.

2 comments:

Valdo (Valdecir João Vieira) - Cicloturista said...

Lindas fotos. Que saudades do Chuí. Pelo que vi na foto, você leva mais de 10 quilos na mochila. É por isso que os pés não aguentaram. Mas não se preocupe que depois de formar uma grossa camada não vai doer mais.
Desejo boas caminhadas, meu amigo Leo.
Abraços
Valdo

Helton Moraes said...

E aí, Vivente!

Emocionante o relato, dá pra imaginar (só imaginar, na verdade, não sentir) a sensação de ver a natureza cuja beleza nos faz estar dispostos a tantas aventuras, aparentemente até insensatas, sendo continuamente degradada como se escorresse por entre os dedos distraídos da humanidade que segue seu rumo...

Esperemos que o sofrimento da coletividade ao resolver mudar de idéia não seja tão angustiante quanto deve ter sido o teu, mas que, em todos os casos, o aprendizado seja muito maior!

Parabéns pela coragem, pela perseverança, e pelo bom senso, e que continue a VIDA!

Helton